Crítica sobre o filme "Cidade das Mulheres":

Eron Duarte Fagundes
Cidade das Mulheres Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 30/06/2005

Talvez seja mesmo A cidade das mulheres (La città delle donne; 1980) o filme mais irregular, mais desajustado, mais nervosamente filmado do cineasta italiano Federico Fellini. Uma certa má educação tipicamente italiana, uma forma grossa de se expressar está tanto na armação desorientada dos planos quanto na colagem arbitrária e alucinada dum plano no outro, bem como nas situações encenadas, todas elas exasperantes e exasperadas.

É impossível, mais uma vez, que o espectador domine a estrutura fílmica e as intenções do realizador. Fellini mistura tudo, com intenso barroquismo e sem grande rigor analítico ou método cerebral; a invasão sensorial de luzes e cores sobrepaira naquilo que seria a mensagem do diretor. Novamente um alucinante espetáculo de variedades cinematográficas para jogar no observador um clima de absoluto ilusionismo.

Fellini sempre foi muito afeiçoado ao erotismo e ao filme musical, sem praticar diretamente os gêneros, antes adaptando a atmosfera destas duas espécies à loucura grotesca de suas realizações. Em Os boas-vidas (1953), quando os noivos chegam de volta à cidadezinha e reencontram os amigos, há uma tocante cena de dança na rua. Todo o delírio barroco de A doce vida (1960) se inspira em transgressões eróticas. A cidade das mulheres tem muito de erotismo, com seu universo de mulheres que zombam do macho Snaporaz; e algumas danças.

Fellini também é um crítico da massificação cinematográfica. Em Roma de Fellini (1972), durante uma sessão de cinema, os espectadores movem coletivamente a cabeça meio para dentro da tela; em A cidade das mulheres há uma seqüência de masturbação diante duma exibição cinematográfica.

Há igualmente uma citação a Fred Astaire, como em Roma, antecipando Ginger e Fred (1985).

No início da fita, quando Mastroianni/Snaporaz cochila no trem, Fellini mostra em alguns planos intercalados um grupo de crianças que pula na parte de fora do vagão. Do ponto de vista da narrativa, estas inserções são absurdas e gratuitas; mas sabe-se que o movimento do trem é falso, cria-se a ilusão a partir dos saltos freqüentes das crianças. Ilusionismo e metalinguagem.

Imagens que se colocam rapidamente na tela, para em seguida dar lugar a outras. Vozerio estridente, todo o mundo fala ao mesmo tempo. Federico Fellini é um visionário das confusões dos tempos contemporâneos.