Crítica sobre o filme "Carta de Uma Desconhecida":

Eron Duarte Fagundes
Carta de Uma Desconhecida Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 18/07/2005

O austríaco Max Ophüls está para o cinema como o francês André Gide está para a literatura. O que parece interessar a Ophüls como cineasta são aquelas histórias de sentimentos muito semelhantes às das novelas e romances do século dezenove; e esta afeição de Ophüls pelos temas delicados do amor e do coração o transformam num espírito tão refinado quanto anacrônico na turbulência do século XX.

Em Carta de uma desconhecida (Letter from an unknown woman; 1948), que ele rodou nos Estados Unidos tomando por base uma novela do alemão Stefan Zweig, o realizador mergulha no íntimo duma mulher (a melancolia interpretativa de Joan Fontaine é o perfeito veículo para as características do cineasta) cujo amor a um pianista boêmio merece da parte deste desprezo e esquecimento. A narrativa é construída a partir da carta que a mulher remete ao pianista, relatando episódios de sua incompreendida paixão; enquanto o pianista lê, as imagens da história desfilam na tela. A linguagem de Ophüls é pudicamente européia, aristocrática; sutil, romântico, perfeito manipulador dos cenários, das sombras e dos atores, montando com habilidade seu filme, Ophüls faz a crônica de um sentimento desesperado, desespero ainda mais acentuado porque o sentimento não é correspondido, ao contrário a cada reencontro o boêmio pianista tem dificuldade em lembrar-se de onde conhece a figura de mulher que está à sua frente.

A construção clássica, literária que emana do estilo de Ophüls nunca peca pelo excesso de gravidade. É sempre alguma coisa leve, essencialmente cinematográfica que lhe dá o brilho particular. Carta de uma desconhecida é uma das profundas análises de um coração apaixonado que o cinema conhece.