Assisti ao filme pela primeira vez numa cabine, mês e pouco antes da estréia. Detestei tanto que fiquei preocupado. Raramente tenho uma reação tão visceral contra um trabalho. Também estranhei a euforia dos colegas, em particular os fanáticos por quadrinhos que, hoje em dia, lotam as sessões de imprensa. Resolvi escrever somente quando tivesse a chance de revê-lo. Isso acabou acontecendo e pronto, sucedeu tudo de novo.
Agora, de cabeça mais fria, mais racional, continuo detestando o filme.
É claro que, como qualquer ser mortal eu aprecio o visual, curto a brincadeira do preto e branco com detalhes coloridos (coisa velha, já em 55, William Wellman fazia isso em “Dominados pelo Terror”) e o sangue branco. Acho curioso também a briga que o diretor (e supervisor de efeitos, autor da trilha musical) Robert Rodriguez teve com o Sindicato dos Diretores, pedindo demissão quando eles não permitiram que o autor da graphic novel original, Frank Miller co-assinasse como diretor. Até porque o filme era um experimento, Rodriguez apenas colocou na tela aquilo que já estava nos quadrinhos, ou seja, seguiu fielmente a “decupagem” de Miller. O que me leva à conclusão óbvia de que cinema e quadrinhos são coisas diferentes. Aparentadas certamente, mas com regras diferentes. Filmá-los ao pé da letra, quando não foi concebido para isso, acaba tornando o filme repetitivo e cansativo. Por demais falado, a ponto de irritar. Frases que no papel podem parecer interessantes, ditas ficam ridículas. Assim como o constante monologar dos protagonistas, sempre com frases lapidares e irônicas.
Tem outro aspecto que me incomoda. Uma história dessas tem clima e pretensões a ser noir, lembrando os filmes policiais dos anos 40. Mas só na forma porque no conteúdo, falta o básico. Não basta ser anti-herói e ficar levando tiros sem morrer, ou dizer que a vida não vale nada e o mundo não presta. Era algo mais profundo, mais dolorido, era a própria dor de viver que eles tentavam expressar e que aqui vira mera explosão de violência e pancadaria.Não sou evangélico ou fundamentalista, nem mesmo moralista de qualquer espécie.
Não suporto mais filmes excessivamente violentos e gratuitos como este. Mesmo que a violência tenha sido disfarçada na falta de colorido. Ela nunca é justificada porque moralmente continuo a achar que o filme não tem nada de positivo a dizer. No fundo, ela faz a celebração de tudo que é torpe, vulgar, baixo, podre neste mundo.
À primeira vista, “Sin City” até parece começar bem, com um curto episódio, em que Josh Harnett, péssimo como sempre, faz um assassino profissional contratado para matar uma jovem Marley Shelton. Um sketch de cinco minutos, com final surpresa. Mas por que essa mania de continuar fazendo filmes que mostram, de maneira simpática, pessoas cuja profissão é matar pessoas (inocentes ou não), de forma fria, imoral, acima da lei? Algo já cheira mal. A história seguinte aprofunda o mal-estar com personagens igualmente repugnantes. O quase sessentão policial (feito por Bruce Willis, sempre fazendo biquinho) vai tentar salvar uma menina, que foi seqüestrada por um garotão pedófilo, que é filho de importante político. É traído pelo parceiro, leva um montão de tiros e o mínimo que revida é estourar os testículos do bandido (o que todo mundo acha muito bonito! Algo cheira pior ainda... Já que vamos perdendo quaisquer valores morais e aplaudindo a vingança sanguinolenta e justificando a brutalidade). Mais tarde, fica ainda mais nojento, com um tipo nefasto (feito justamente pelo Frodo) que é canibal e devora mulheres (aliás, notem como o filme tem todo um visual sado-masoquista, principalmente na descrição das mulheres). Tem um capítulo que ressuscita outro canastrão que poderia ter ficado esquecido, Mickey Rourke, ainda que irreconhecível com maquiagem deformante. Por causa de uma prostituta morta, que mal conhece, ele percorre uma trilha de mortes e feitos absurdos (nessa altura, a paciência está se esgotando e o filme fica chato). Até porque o filme não tem qualquer compromisso com o realismo, é totalmente estilizado. Nem por isso, deixa de ser moralmente desprezível. Só valoriza, só propaga valores errados.
De uma certa maneira, o filme é mesmo uma ilustração de tudo que está errado com a civilização norte-americana: é o lixo celebrando o lixo. Não li o que escreveu Jabor mas, como ele, me surpreendo com a miopia da crítica brasileira que come os restos do lixo ocidental, achando que tudo que Tarantino e seus amigos fazem é lindo (porque Tarantino é creditado como diretor convidado, que teria realizado a cena entre Dwight - Clive Owen - e Jackie Boy - Benicio Del Toro - no carro, quando ele tem alucinações. Antes de chegar o policial. E não a da lutadora Miho como se poderia supor). Claro que tecnicamente o filme é impressionante, claro que é curioso vermos certos atores retornando (como Rutger Hauer), mas não se julga o livro pela capa, nem por sua diagramação ou fotos.
Como não se avalia um filme pela fidelidade a outra obra. Não se tem um bom filme sem que ele tenha também como ponto básico de sua existência, a valorização do ser humano, de seus direitos fundamentais. Nesse sentido que não gosto de “Sin City”, e lamento que as pessoas sejam tão cegas que não vislumbrem como é pernicioso. E muito errado como cinema.
Assisti ao filme pela primeira vez numa cabine, mês e pouco antes da estréia. Detestei tanto que fiquei preocupado. Raramente tenho uma reação tão visceral contra um trabalho. Também estranhei a euforia dos colegas, em particular os fanáticos por quadrinhos que, hoje em dia, lotam as sessões de imprensa. Resolvi escrever somente quando tivesse a chance de revê-lo. Isso acabou acontecendo e pronto, sucedeu tudo de novo.
Agora, de cabeça mais fria, mais racional, continuo detestando o filme.
É claro que, como qualquer ser mortal eu aprecio o visual, curto a brincadeira do preto e branco com detalhes coloridos (coisa velha, já em 55, William Wellman fazia isso em “Dominados pelo Terror”) e o sangue branco. Acho curioso também a briga que o diretor (e supervisor de efeitos, autor da trilha musical) Robert Rodriguez teve com o Sindicato dos Diretores, pedindo demissão quando eles não permitiram que o autor da graphic novel original, Frank Miller co-assinasse como diretor. Até porque o filme era um experimento, Rodriguez apenas colocou na tela aquilo que já estava nos quadrinhos, ou seja, seguiu fielmente a “decupagem” de Miller. O que me leva à conclusão óbvia de que cinema e quadrinhos são coisas diferentes. Aparentadas certamente, mas com regras diferentes. Filmá-los ao pé da letra, quando não foi concebido para isso, acaba tornando o filme repetitivo e cansativo. Por demais falado, a ponto de irritar. Frases que no papel podem parecer interessantes, ditas ficam ridículas. Assim como o constante monologar dos protagonistas, sempre com frases lapidares e irônicas.
Tem outro aspecto que me incomoda. Uma história dessas tem clima e pretensões a ser noir, lembrando os filmes policiais dos anos 40. Mas só na forma porque no conteúdo, falta o básico. Não basta ser anti-herói e ficar levando tiros sem morrer, ou dizer que a vida não vale nada e o mundo não presta. Era algo mais profundo, mais dolorido, era a própria dor de viver que eles tentavam expressar e que aqui vira mera explosão de violência e pancadaria.Não sou evangélico ou fundamentalista, nem mesmo moralista de qualquer espécie.
Não suporto mais filmes excessivamente violentos e gratuitos como este. Mesmo que a violência tenha sido disfarçada na falta de colorido. Ela nunca é justificada porque moralmente continuo a achar que o filme não tem nada de positivo a dizer. No fundo, ela faz a celebração de tudo que é torpe, vulgar, baixo, podre neste mundo.
À primeira vista, “Sin City” até parece começar bem, com um curto episódio, em que Josh Harnett, péssimo como sempre, faz um assassino profissional contratado para matar uma jovem Marley Shelton. Um sketch de cinco minutos, com final surpresa. Mas por que essa mania de continuar fazendo filmes que mostram, de maneira simpática, pessoas cuja profissão é matar pessoas (inocentes ou não), de forma fria, imoral, acima da lei? Algo já cheira mal. A história seguinte aprofunda o mal-estar com personagens igualmente repugnantes. O quase sessentão policial (feito por Bruce Willis, sempre fazendo biquinho) vai tentar salvar uma menina, que foi seqüestrada por um garotão pedófilo, que é filho de importante político. É traído pelo parceiro, leva um montão de tiros e o mínimo que revida é estourar os testículos do bandido (o que todo mundo acha muito bonito! Algo cheira pior ainda... Já que vamos perdendo quaisquer valores morais e aplaudindo a vingança sanguinolenta e justificando a brutalidade). Mais tarde, fica ainda mais nojento, com um tipo nefasto (feito justamente pelo Frodo) que é canibal e devora mulheres (aliás, notem como o filme tem todo um visual sado-masoquista, principalmente na descrição das mulheres). Tem um capítulo que ressuscita outro canastrão que poderia ter ficado esquecido, Mickey Rourke, ainda que irreconhecível com maquiagem deformante. Por causa de uma prostituta morta, que mal conhece, ele percorre uma trilha de mortes e feitos absurdos (nessa altura, a paciência está se esgotando e o filme fica chato). Até porque o filme não tem qualquer compromisso com o realismo, é totalmente estilizado. Nem por isso, deixa de ser moralmente desprezível. Só valoriza, só propaga valores errados.
De uma certa maneira, o filme é mesmo uma ilustração de tudo que está errado com a civilização norte-americana: é o lixo celebrando o lixo. Não li o que escreveu Jabor mas, como ele, me surpreendo com a miopia da crítica brasileira que come os restos do lixo ocidental, achando que tudo que Tarantino e seus amigos fazem é lindo (porque Tarantino é creditado como diretor convidado, que teria realizado a cena entre Dwight - Clive Owen - e Jackie Boy - Benicio Del Toro - no carro, quando ele tem alucinações. Antes de chegar o policial. E não a da lutadora Miho como se poderia supor). Claro que tecnicamente o filme é impressionante, claro que é curioso vermos certos atores retornando (como Rutger Hauer), mas não se julga o livro pela capa, nem por sua diagramação ou fotos.
Como não se avalia um filme pela fidelidade a outra obra. Não se tem um bom filme sem que ele tenha também como ponto básico de sua existência, a valorização do ser humano, de seus direitos fundamentais. Nesse sentido que não gosto de “Sin City”, e lamento que as pessoas sejam tão cegas que não vislumbrem como é pernicioso. E muito errado como cinema.