Crítica sobre o filme "Nevoeiro, O":

Eron Duarte Fagundes
Nevoeiro, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 22/10/2008

O norte-americano Frank Darabont surpreende em seu novo filme. Adaptado de um conto de Stephen King, O nevoeiro (The mist; 2007), embora aparentemente embutido dentro dos padrões industriais do cinema, foge à imbecilidade costumeira das narrativas de suspense aqui e ali despejadas na praça, para alinhavar diante do espectador uma série de situações inóspitas que têm sempre, dentro de suas caixas, uma multiplicidade de significados. Passada uma tempestade, um lugarejo no interior americano é tomado por um forte nevoeiro; misturadas ou disfarçadas com a densidade da névoa, criaturas violentas passam a atacar, decepar e matar as pessoas; um grupo de indivíduos se aloja dentro dum supermercado para estabelecer suas estratégias de resistência e sobrevivência. De uma certa maneira, Darabont constrói uma alegoria cinematográfica do fim do mundo, assim como o faz o inglês Alfred Hitchcock em Os pássaros (1963); mas Darabont não se submete ao simples plágio, como tantos imitadores de Hitch, pois impinge personalidade própria a seu filme; é claro também que os monstros de Darabont (que parecem coisas pré-históricas, mas são na verdade pós-históricas) são o que vem depois dos aliens e dos ETs, nada tem da simplicidade terrificante dos pássaros de Hitchcock.

Certos símbolos narrativos se evidenciam na linguagem de Darabont, adquirindo grande força. O supermercado que abriga os assustados seres de O nevoeiro é um templo de consumo da sociedade tal como vista pelo cineasta. Neste espaço de perversidades as pessoas (representativas de seu meio social) vão expiar suas culpas. A exacerbação mística da beata vivida por Márcia Gay Hardem capta uma das alucinações contemporâneas da sociedade ocidental, a religiosidade que leva à demência coletiva; é notável a seqüência em que a líder religiosa incita o povo (vê-se aí o sentido palpável de um ser coletivo) a enfrentar os mais céticos e rebeldes. Há também a bem constituída família, que consta de um casal relativamente jovem e uma criança, mas que é inevitavelmente devassada pela tragédia apocalíptica. E os atraídos que nunca se aproximaram (funcionários do supermercado em eterna paquera que não se resolvia) cujo desenlace vai logo espedaçar-se diante dos ataques das criaturas.

Encerrando seus seres bem desenhados dentro dum supermercado e depois no final dentro dum carro perdido no nevoeiro, Darabont cria com grande habilidade uma atmosfera claustrofóbica que angustia e tensiona os nervos do observador. Ele já fizera algo parecido ao concentrar o cenário duma narrativa num presídio em Um sonho de liberdade (1994); mas a forma como ele executava este artifício naquele filme era convencional e não transbordava como em O nevoeiro. O que ocorre em O nevoeiro é que Darabont filma a neblina com engenho (talvez só o italiano Michelangelo Antonioni tenha feito algo tão bom na névoa em Identificação de uma mulher, 1982) e insere estes enquadramentos de obscuridade neblinosa numa cercania opressiva do supermercado que é o cenário central do filme.

Candidato a tornar-se nos próximos anos um prazeroso filme de culto dos cinéfilos, O nevoeiro é um filme de suspense como há muito não se via.