Crítica sobre o filme "Bastardos Inglórios":

Wally Soares
Bastardos Inglórios Por Wally Soares
| Data: 04/02/2010

Quentin Tarantino é um verdadeiro bastardo. Desde que lançou Cães de Aluguel virou nome em Hollywood e, com Pulp Fiction: Tempos de Violência, revelou seu talento extraordinário para texto e direção. Desde então, armou uma saga de vingança e brincou de fazer filme-B, lhe preparando para o desafio que se tornou Bastardos Inglórios - filme que, de acordo com um diálogo genial ao desfecho, é sua obra-prima. Por mais egocêntrico que possa ser este bastardo do Tarantino, ele é um cineasta engenhoso e singular. O estilo que traz a tona neste seu novo filme é tão refrescante quanto brilhante. Tai um diretor que, com sete filmes na filmografia, já pode se considerar um verdadeiro auteur. E ele sabe que é. Não lhe reserva o direito de ser modesto e nem precisa. Não estamos aqui para julgar se Tarantino é ou não humilde. O fato é que ele eleva a sétima arte contemporânea à um nível de pura e incontestável genialidade. Bastardos Inglórios pode não ser sua obra-prima, mas recebe o título de longa-metragem mais ambicioso, belo e formidável de 2009.

Separado em capítulos - assinatura de Tarantino - o filme inicia-se com um “era uma vez na França ocupada pelos nazistas”, e coloca em cena o coronel da SS Hans Landa (Christoph Waltz) - mais conhecido como “O Caçador de Judeus”. O capítulo dois já nos introduz aos tais “bastardos inglórios” do título. Liderados pelo tenente Aldo Raine (Brad Pitt), são um grupo de soldados judeus que desceram na França para aniquilar os nazistas. O grupo logo ganha repercussão e o ódio especial de Hitler, que os abominam. Conhecemos também a bela Shosanna (Mélanie Laurent), uma judia disfarçada que toma conta de um cinema. Ela se tornou a única sobrevivente da família, devastada pela fúria de Hans Landa. Todos estes personagens colidem entre si ao passo que planos são idealizados e uma première do alto-escalão é marcada para celebrar “o orgulho da nação”.

O primeiro capítulo de Bastardos Inglórios é, por si só, uma obra de arte. Fotografia perfeita e enquadramentos eloquentes nos inserem em uma fazendo calma nas colinas da França - logo perturbada pela chegada de Hans Landa. O capítulo é um exercício de Cinema, simples e puro. A edição fluída, a trilha sonora com canções arrebatadoras de Ennio Morricone e o senso crescente de tensão palpável, construída entre dois personagens por meio de geniais diálogos e atuações ótimas. Alias, é neste momento que somos introduzidos ao magnífico Christoph Waltz, até então desconhecido. Sua composição é do tipo de performance cruel e intensa, ao mesmo tempo que contida e sutil. Sua provocação nos personagens reflete-se também na própria audiência, que reage maravilhosamente à sua caracterização realmente infalível. O primeiro capítulo já atribui ao filme sua especial singularidade. Antológico desde o primeiro enquadramento até a fuga soberba de Shosanna, extremamente memorável.

Com a entrada dos bastardos na metragem, a película já assume um tom bem mais irônico - não tem como não se deliciar pelo humor negro. O personagem de Pitt é uma caricatura muito divertida e Tarantino não perde a mão na hora de utilizar do pop para criar um estilo inspirado e verdadeiramente original. A montagem, neste caso, se revela imprescindível. O primor de Bastardos Inglórios está, portanto, espalhado por todos os cantos. Simplesmente respira virtuosidade. Quando não estamos sendo encantados pela técnica de filmagem das mais soberbas do cineasta, podemos nos deliciar pela direção de arte excelente, o figurino maravilhoso e a sincronia esplêndida na qual se encontra o elenco da obra. Apesar de Waltz surgir com a atuação mais poderosa, é inevitável reconhecer como o elenco oferece uma especial desenvoltura na composição e, especialmente, no timing cômico. Com a exceção de Mélanie Laurent, que mergulha na personagem mais complexa da película - bem longe de qualquer senso de humor. Laurent é um achado; elegante, onipresente e muito difícil de resistir. Ela é, sem dúvida alguma, o coração do filme. E, no ato final, torna-se tão pulsante quanto o da audiência. A empolgação e beleza bruta do clímax é inimaginável.

Em síntese, Bastardos Inglórios é a representação mais sórdida sobre a vingança judia na 7° arte. Chegamos a um ponto em que a Segunda Guerra Mundial tornou-se um tema cansado e, portanto, os filmes atuais tendem a explorar aspectos mais diferenciados. É válido dizer, então, que Tarantino acaba de realizar o retrato mais irreverente e singular desta. Se é que pode ser considero um retrato, já que Tarantino se dá ao luxo de realmente re-escrever a história como a conhecemos - ousado, corajoso, brilhante. Não faltam elogios ao nível de beleza artística alcançado aqui. Mas, ao mesmo tempo, palavras não fazem jus ao filme. É preciso ver para crer. Sentir aquela genialidade palpável, mergulhar no mundo construído com elegância e acidez e realmente se divertir. Além de ser Cinema obrigatório, Bastardos Inglórios é entretenimento sensacional. Impossível não vibrar diante de tamanha esperteza em cena - tudo, como dito, consolidado por um desfecho arrasador.

Simbolicamente, acredito que Bastardos Inglórios representa pura originalidade e frescor - e é complicado (e difícil, alias) repreender uma obra tão virtuosa como esta. Tarantino traz nos enquadramentos uma auto-estima muito grande e pode ser sim muito presunçoso. Se isto é necessário para que ele realize um filme tão bom, então deixemos de nos importar. A importância cinematográfica do longa-metragem é bem mais que pretensões e ambições. É impossível olhar para Bastardos Inglórios e não enxergar um marco no Cinema. Se no belo Avatar o diretor/roteirista alcançou um patamar técnico sóbrio - é mais que válido observar que Tarantino almejou, com Bastardos Inglórios, atingir um nível de originalidade um tanto intimidante. Seus diálogos vibram, suas imagens entorpecem e a beleza poética reina em um ato final que literalmente explode rolos fílmicos. Tarantino espetacularmente incendeia a tela - e transforma o prazer de se assistir Cinema tão mais fantástico do que nós estamos acostumados a aceitar. É muito melhor que Prozac, acredite.