Crtica sobre o filme "Escritor Fantasma, O":

Viviana Ferreira
Escritor Fantasma, O Por Viviana Ferreira
| Data: 18/11/2010
Sou profunda admiradora de Roman Polanski, acho injusta sua prisão no ano passado (se a própria vítima já perdoou ele e ficou feliz pela sua libertação) e fiquei muito feliz por ele ter sido solto semana passada. Mas acima de tudo, fico muito feliz em afirmar que O Escritor Fantasma não é só uma das suas melhores direções, mas também um dos melhores filmes de sua carreira, e o melhor filme do ano até a presente data. É um suspense à lá Hitchcock, muito bem realizado, adaptado e com ótimo elenco.

O filme gira em torno de um escritor fantasma (interpretado por Ewan McGregor) - que nunca tem seu nome revelado durante a narrativa do longa- que se encarrega de escrever as memórias do primeiro ministro inglês Adam Lang (Pierce Brosnan, ótimo) após a morte inexplicável do escritor anterior. Tudo começa em uma atmosfera de dúvida, e, somos apresentados à casa de Lang de modo frio, desconhecido e estranho do mesmo modo que sentimos o que o escritor sente ao se deparar pela primeira vez com o lugar. O problema é que, logo após o escritor aceitar seu papel, Adam é acusado de fazer parte de um esquema de armas que envolve a Guerra do Iraque, e tudo fica sobre tensão. O escritor então, tem apenas a colaboração de Amelia (Kim Catrall), que é secretária de Lang, e os olhares nada inocentes da esposa do político, Ruth (Olivia Williams, digna de Oscar®), sem sombra de dúvida a personagem mais intrigante de todo filme. O escritor começa ir atrás de muitos segredos que envolvem a vida de Adam, e descobre que a verdade tarda mais não falha.

Temos aí um filme completo, muito bem amarrado, com um roteiro soberbo de Robert Harris (que também é responsável pelo livro que deu origem ao filme) e Polanski. Os dois fazem com que nós, o público, se coloque no lugar do protagonista e, cada vez que ele descobre uma nova pista sobre a solução dos mistérios sobre a vida de Adam, nós também descobrimos. E se a fotografia de Pawel Edelman ajuda à criar uma atmosfera sombria, é a trilha do meu amado Desplat que se torna peça chave para o suspense completo. A trilha inserida no filme é magistral, e praticamente se torna a condutora do enredo misterioso (tanto que, logo após a apresentação dos atores nos créditos o nome de Desplat é que aparece primeiramente na parte técnica, demonstrando a importância que a música tem para o tom do filme). Mas o que para mim é mais fantástico é saber que Polanski conduziu a pós-produção desse filme na cadeia, acompanhando tudo de longe, tentando conduzir o melhor possível sua peça final. E talvez seja encantador ver tamanha força e inteligência em sua direção, que é muito bem acabada em todos os sentidos.

Filme de qualidade, que deixa quem assiste com vontade de ver novamente e se deliciar com uma produção que é boa demais para passar despercebida. Até agora, o grande filme do ano. (Viviana Ferreira)

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Roman Polanski é um diretor de cinema: dirige um filme como quem respira; com naturalidade, sem esforço. Sente-se isto ao longo de O escritor fantasma (The ghost writer; 2009), uma narrativa policial extraída dum livro de Robert Harris. Ao comparar com os esforços de suspense político de Em teu nome (2009), do gaúcho Paulo Nascimento, nota-se bem que aos suores problemáticos do cineasta brasileiro se contrapõe o senso de cinema que o polonês Polanski detém como poucos. É bem verdade que o Polanski de O escritor fantasma está longe da perversidade de Repulsa ao sexo (1965), da atmosfera mais sombria de O inquilino (1976) ou mesmo dos instintos exaltados de demônio em O bebê de Rosemary (1968); mas a estranheza e a claustrofobia do espírito Polanski de filmar dão a originalidade deste realizador que é um dos mais importantes em atividade no mundo.

A fotografia embaçada e distanciada e a música impositiva ajudam a criar um clima ameaçador para a história de perigos ocultos que se vai contar. O “ghost writer” vivido por Ewan McGregor é quem está no centro duma trama em que as ameaças que sofre são passadas com inquietação por Polanski ao próprio espectador; este “ghost witer” faz as vezes do homem que escreve a autobiografia dum ex-primeiro-ministro inglês interpretado por Pierce Brosman; como esta autobiografia expõe, claramente ou por enigmas e pistas, os podres dos poderosos, o escritor fantasma vai ter de fugir sempre das assombrações (reais) que o perseguem, num encadeamento cinematográfico cuja paranoia visual remete ao Polanski dos anos 60 e 70.

Com sutileza mas sem meias palavras, Polanski não deixa de exibir em O escritor fantasma seu indelével rancor antiamericano. Não é para menos. Sua carreira no cinema americano foi interrompida depois que o acusaram de estupro duma menor em 1977. Será por isso que Polanski alude na autobiografia dentro do filme às associações do asqueroso primeiro-ministro inglês com o governo americano e suas guerras financiadas pelo Estado? De qualquer maneira, O escritor fantasma é uma narrativa de atmosfera que exibe a perícia técnica de Polanski, mas a que falta aquela quitação fílmica que transforma o rigor clássico de Tess de Polanski (1979) numa obra-prima. (Eron Fagundes)