Por Rubens Ewald Filho
| Data: 25/10/2010
Depois de anos sem filmar em Nova York, o sempre competente Woody Allen retorna às origens através desta comédia deliciosa e muito graciosa chamada Tudo pode dar certo. O longa que tem seu roteiro pronto há anos, foi feito por Allen para que ele mesmo protagonizasse o filme. Por ter passado do tempo (e ele ter ficado velho demais) ele acabou oferecendo o papel à Larry David.
O feito conta a história de Boris (David) o tÃpico personagem Woodyano: é judeu, extremamente inteligente, questionador, pessimista, chato e desacreditado. Mas sua vida muda completamente quando ele conhece Melody St. Ann Celestine (Evan Rachel Wood- adorável), uma jovem que veio do interior e que sem lenço nem documento, acaba pedindo abrigo à Boris, e futuramente acaba se tornando sua esposa. As coisas se complicam quando a mãe de Melody, Marietta (PatrÃcia Clarkson, divertidÃssima no papel), chega na cidade e quer livrar a filha desse velho que nada tem a oferecer pra menina (pelo menos na cabeça dela), empurrando a mesma para o irresistÃvel Randy (Henry Cavill). O mais interessante é a mudança de Marietta, que chega contrita e conservadora e se torna em uma mulher moderna, artÃstica e extremamente liberal. Em contra partida, o pai de Melody, John (Ed Begley Jr) acaba demonstrando um comportamento contrário (o que demonstra uma mudança nas personalidades dos personagens ao longo da narrativa).
O filme é talvez o mais tÃpico de Woody Allen desde Um misterioso assassinato em Manhattan de 1993, e por isso mesmo, pode não agradar à muitos que curtam o estilo do cineasta. Mas se o espectador não gostar da narrativa, no mÃnimo vai se apegar aos personagens, que são cheios de peculiaridades.
Tudo pode dar certo é um filme bacanérrimo - pequeno, interessante, gostoso de assistir, feito por quem entende de cinema pra quem entende de cinema. É provavelmente um dos melhores filmes de Allen, não por sua temática ou inteligência, mas sim pela sua humildade. Vale ver e rever. (Viviana Ferreira)
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Woody Allen perde o senso cinematográfico ao articular as caricaturas e os estereótipos do meio social nova-iorquino em Tudo pode dar certo (Whatever works; 2009). A superficialidade humorÃstica e a montagem descosida e ligeira remetem aos primeiros filmes de Allen, aqueles anteriores a Manhattan (1979), que foi um divisor de águas em sua filmografia.
A metafÃsica do humor judaico de Allen em seu novo filme é, convenhamos, de botequim. O artifÃcio das discussões do protagonista sobre o sentido da vida são risÃveis no pior sentido: constrangem pelo coeficiente de ridÃculo a que Allen chegou. Apesar do desempenho correto de Larry David no papel de Boris, um velho cético no estilo de Bentinho do romance Dom Casmurro (1900), do brasileiro Machado de Assis, admiração e influência confessas do realizador norte-americano, a confecção fÃlmica da personagem desanda e não esconde seu pernosticismo; há um recurso à metalinguagem (Boris se dirige constantemente ao espectador, lembrando os evocativos ao leitor que há no livro Dom Casmurro), mas a forma como isto se estabelece é pÃfia e é como se Allen tivesse feito seu Dom Casmurro caipira, quem diria, a corte estética é o brasileiro Machado, a colônia é Allen e sua amada Nova York aonde ele retorna depois de seu exÃlio europeu.
Às relações amorosas entre o madurão pedante Boris e a desmiolada esforçada jovem Melodie falta a capacidade de convencer: não têm naturalidade. As criaturas são tÃteres das ideias de Allen. Mesmo que aqui e ali surja o divertimento, este é amassado pelo desgaste do humor aqui anacrônico de Allen. Parodiando certos filmes do francês Eric Rohmer e chafurdando em algumas velharias que colheu no italiano Michelangelo Antonioni, Allen esbarra num problema: ele não é um gênio como seus mestres, e nem precisaria, basta ser um bom diretor; em Tudo pode dar certo, ao retratar-se no pretenso gênio Boris, Allen imagina como se fosse um gênio e se espatifa. (Eron Fagundes)
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A melhor tradução para o tÃtulo seria Qualquer Coisa que Dê Certo. Este é o mais recente filme de Woody Allen (na verdade, ele já tem outro pronto, que se chama You Will Meet a Tall Dark Stranger, com Anthony Hopkins e Naomi Watts). Foi um novo fracasso de bilheteria, que se seguiu ao Vicky Christina Barcelona. O papel central de Boris foi escrito originalmente para o ator Zero Mostel (Primavera para Hitler), mas quando ele morreu, em 1977, foi engavetado. Quando havia a ameaça de uma greve de roteiristas, Woody escolheu este roteiro velho para ser seu próximo filme, chamando para o papel principal o criador da série Seinfeld e astro de Curb Your Entusiasm, Larry David. O papel poderia ter servido para o próprio Woody e por vezes Larry parece imitar o diretor, inclusive na sua marca registrada de gaguejar. Infelizmente, o diretor não deve ter revisto o script, que parece ser velho, com piadas antigas que aparentam requentadas e sem polimento, principalmente no começo, elas simplesmente não são muito engraçadas, repisando clichês do autor.
A ideia básica é que, o herói, é um senhor judeu com mania de suicÃdio (que o deixaram apenas manco e ainda mais pessimista). Posando de intelectual para os amigos de bar, falando diretamente para a câmera (a quem de vez em quando ele próprio comanda), conta sua história, que começa muito mal, quando sem maior lógica ele dá abrigo a uma jovem sulista Melodie (a sempre encantadora Evan Rachael Wood), que passa a viver em sua casa e que, com o tempo, passa a admirá-lo e até propondo casamento. A diferença de idade não é muito explorada, já que a história pula para um ano depois, deixando Larry em segundo plano. E, na verdade, o filme melhora muito com a entrada em cena da mãe de Melodie, a parceira de vários filmes de Allen, PatrÃcia Clarkson (ela chega como Marietta, a sogra chata e religiosa, mas aos poucos vai mudando e vira artista passando a morar com dois homens ao mesmo tempo!). Mais tarde, vai surgir também o pai de Melodie (Ed Begley Jr) e um ator bonitão que a sogra empurra para a filha (o promissor Henry Cavill). Ou seja, o filme, apesar de sem brilho e originalidade, ganha força e acaba sendo mesmo simpático e divertido. Em particular no final.
É engraçado como os fãs de Woody Allen perdoam tudo e mantêm a boa vontade com seus trabalhos. Mesmo os mais fracos (ele continua o mesmo, com letreiros sóbrios, canções antigas, citações de seus favoritos, que aqui incluem: Fred Astaire, A Felicidade Não se Compra, E o Vento Levou, My Fair Lady, uma cena de A Marca de Maldade, de Orson Welles, e desta vez tem a nossa bossa nova Desafinado como música de fundo). No final das contas, não era para ser tão mal recebido e a falha do protagonista se dilui. O problema é que David faz uma pessoa antipática, coisas que ele parece ser mesmo na vida real. O ideal seria um ator como Walter Matthau, que fazia o rabugento, mas ao mesmo tempo era simpaticão.
Enfim, melhor do que se esperava e se dizia. Ou seja, não confie mesmo nos crÃticos, em especial, os americanos. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos. Rubens tem um blog exclusivo no portal R7)