Crítica sobre o filme "Bem-Vindo à Casa de Bonecas":

Eron Duarte Fagundes
Bem-Vindo à Casa de Bonecas Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 09/09/2010
O norte-americano Todd Solondz é um realizador cinematográfico interessado naqueles seres que vivem à margem dos prestígios sociais: aquelas criaturas que fracassaram em sua tentativa de se relacionar com os grupos sociais com que convivem, no caso dos adolescentes a família e a escola. Em Bem-vindo à casa de bonecas (Wellcome to the dollhouse; 1995) a personagem central é uma garota no início da adolescência cuja fisionomia desgraciosa e jeito fora de esquadro provoca uma surda ira gratuita em gente como a professora casmurra, os pais alienados, os irmãos interessados em si mesmos, os colegas prontos, os irmãos interessados em si mesmos, os colegas prontos para ridicularizar. O contraponto à figura da garota é um colega de aula que, como os outros, debocha dela agressivamente, mas, após uma perigosa aproximação, vem a saber-se que é também um rejeitado; quando a garota rejeita o namoro com este amigo porque está apaixonada por um músico mais velho da banda de seu irmão, o estado problemático deste colega de aula salienta o contraponto.

Solondz namora as esquisitices. E perverte as alucinações do cotidiano. Sabe-se que o cineasta é fascinado pelo teatro do insólito do cotidiano do irlandês Samuel Becket. E também se notam as conversações de seu cinema com as peças do dinamarquês Henrik Ibsen (1828-1906), que habitualmente tratavam de indivíduos inadaptados e que por sua inadaptação contestavam as estruturas sociais (burguesas, no caso de nossa sociedade ocidental contemporânea). O título do filme evoca uma das mais estimadas peças de Ibsen, Casa de bonecas (1879), filmado pelo americano Joseph Losey em 1973. Mas é outro drama de Ibsen, Peer Gynt (1867), que parece ser umas das fontes de Bem-vindo à casa de bonecas: Dawn é uma Peer Gynt de saias. Além das identificações temáticas, uma das canções de Peer Gynt, “Solveig’s songâ€, composta por Edward Grieg, aparece em momentos-chave da narrativa de Solondz; a canção referida é tocada pela Orquestra Filarmônica de Oslo, sob a batuta de Esa-Pekka Salonen.

É bem verdade que Bem-vindo à casa de bonecas não tem a solidez estrutural de Felicidade (1998), que é considerado o mais expressivo filme de Solondz; mas é curioso observar o tom desabusado e perverso de Solondz para um assunto que hoje em dia mexe com os pruridos moralistas de muita gente, as estranhas ligações de crueldade e humilhação que envolvem certas crianças e certos adolescentes nos guetos escolares. (Eron Fagundes)