Cr�tica sobre o filme "Direito de Amar":

Wally Soares
Direito de Amar Por Wally Soares
| Data: 28/08/2010
Ao contrário do que seu título nacional piegas remanescente de novela mexicana dá a entender, Direito de Amar – ou, no original, Um Homem Só – não é uma película sobre a reivindicação de um homossexual pelo seu “direito de amar”. É, basicamente, sobre a solidão de um homem após a morte de seu namorado. Adaptado do romance de um renomado Christopher Isherwood – homossexual assumido – e adaptado para as telas pelo ex-estilista da Gucci Tom Ford – também homossexual assumido – Direito de Amar é uma obra que mergulha, sem pudor, no mundo transtornado de um homem só; preso em uma realidade que não lhe pertence e amargurado por ter que sobreviver nela. Tanto pela história que narra com sensibilidade quanto pelos nomes por trás da produção, é também um filme assumidamente homossexual em seus contornos e nuances. Por outro lado, conduz sua trama de forma que suas provocações ecoem de forma universal – sem rótulos, estereótipos ou generalizações.

O homem só é o britânico George (Colin Firth), professor de literatura na Los Angeles dos anos 60 que tenta lidar com a morte de Jim (Matthew Goode), seu namorado por 16 anos, morto em um acidente de carro. O filme retrata um dia na vida de George, oito meses após a tragédia, quando ele decide se matar. Até o fim do dia, porém, seguirá sua rotina de forma casual, esbarrando com isso em várias pessoas que, de uma forma ou de outra, lhe deixam uma forte impressão. Seja um aspirante a ator chamado Carlos (Jon Kortajarena), sua melhor amiga Charley (Julianne Moore) ou o jovem curioso Kenny Potter (Nicholas Hoult), um de seus alunos. Enquanto isso, relembra seus momentos ao lado de Jim.

A obra adaptada por Tom Ford – e pelo co-roteirista David Scearce – é extremamente pessoal. Isherwood, que escreveu o livro nos anos 60, se relacionava com um homem bem mais novo que ele (como na história) e ensinava literatura em universidade de Los Angeles (fato que também se repete na história). Ford, por sua vez, transparece uma forte ligação com o material original, criando um filme intimista, maduro e mordaz. E constatar que trata-se da estreia de Ford tanto na confecção de um roteiro quando na direção de uma película apenas eleva o feito almejado. Sua cinematografia é das mais puras e pungentes. Seu senso de estilo, extraordinário, une-se à história que anseia contar de forma primorosa. Seus personagens tornam-se pinturas densas e enigmáticas, cujas corrosões e imperfeições nos instigam fortemente. Cada plano, diálogo e expressão deixa uma marca, exprimindo nuances e exalando beleza.

A concepção estética de Direito de Amar é impecável, no sentido mais ávido da palavra. Como seria de se esperar levando em conta a profissão de Tom Ford, há aqui um cuidado visual riquíssimo. Mas não são só os figurinos elegantes que destacam-se. Alias, empalidecem diante da virtuosidade de uma técnica que recria com imensa sofisticação a década de 60. Extraordinária também a fotografia de Eduard Grau, cuja paleta não só é deslumbrante, como também profundamente significativa, oferecendo um belo complemento aos esforços de Ford como cineasta. Impossível não encantar-se com a forma com que a fotografia retrata a mesmice do dia de George, assumindo uma paleta que oscila entre o exterior quente de Los Angeles e a frieza de sua casa. Ainda mais incrível é testemunhar como a paleta muda radicalmente quando alguém entra na vida de George, quase como uma flor que se desabrocha, iluminando o tom parco que sintetiza tão bem o estado mental de um homem que não vê mais emoção em um cotidiano inerte.

Por mais virtudes que possam compor Direito de Amar, não há nenhuma que se iguale à força hipnotizante de Colin Firth no papel principal. No melhor papel de sua carreira, Firth mergulha fundo nas angústias, nos pesares e no aflito de George, construindo um personagem poderoso. Suas cenas são irretocáveis. A constrição de George é abordada de forma soberba, como também sua vulnerabilidade. O desempenho de Firth frisa as emoções ancoradas em cada diálogo por meio de expressões doloridas. Suas cenas ao lado de Julianne Moore, por sua vez, doem enigmaticamente diante do que encontra-se ali subentendido. E, neste sentido, Moore realiza um belo trabalho, articulando as nuances de sua personagem com imensa sutileza.

Poético ao extremo em sua união arrebatadora de imagem e música – a trilha sonora de Abel Korzeniowski é simplesmente maravilhosa – Direito de Amar é muito mais do que esteticamente exprime. Por mais elegante, sofisticado e impressionante que seu visual possa ser, o que permanece com a audiência é a força particular de um conto magnífico que ronda temas com imensa sutileza e intimidade. A conexão realizada com a audiência é singular e profunda, sintetizada por momentos emocionantes como um de banho no mar. O ápice emocional da película encontra-se, porém, em uma simples despedida, dolorosa pelos intensos olhares velando segredos. Ainda que a direção de Ford seja magnífica, é o roteiro recheado de brilhantes diálogos que dá o tom de obra-prima à película. Diálogos refinados e inteligentes unem-se à narração sempre introspectiva, desprovida de excessos. Finalizando-se ainda com uma contundente ironia, a obra de Tom Ford carrega consigo o peso de um testemunho sobre a vida, a morte, e tudo que vem no meio. (Wally Soares)