Crtica sobre o filme "Sede de Paixões":

Eron Duarte Fagundes
Sede de Paixões Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 13/08/2010
Sede de paixões (Törst; 1949) já apresenta, com precisa marcação da força da imagem, a tortura mental a que as personagens do cineasta sueco Ingmar Bergman serão jogadas ao longo das décadas como para os leões numa arena da qual não há verdadeiramente saída. Se em Crise (1945), o trabalho inicial de Bergman, e depois em Um barco para a Índia (1947) e Música na noite (1947) as relações humanas são expostas por Bergman com alguma ingenuidade e muitas indecisões formais, em Sede de paixões o diretor aperfeiçoa seu telescópio metafísico, analisando com profundidade emocional os dilemas de suas criaturas.

A narrativa de Bergman tem o roteiro assinado por Herbert Grevenius, o que passaria depois a ser inexistente no cinema do cineasta, que sempre assinaria seus roteiros. O roteiro de Grevenius parte de quatro contos da escritora sueca Birgit Tengrith; esta bifurcação em quatro contos dá uma característica estilhaçada às divagações de Sede de paixões.

De uma certa maneira, Sede de paixões ainda surpreende pela maturidade de certas soluções formais. No início do filme, fotogramas tensos de um casal que, nota-se no silêncio das imagens, está vivendo em sua própria dissolução sentimental; é um amanhecer, ela fuma interminavelmente, ele tem dificuldade de acordar. Num determinado plano, a câmara se detém, entre sombras, no rosto amargo da moça; e então se dá o primeiro dos flashbacks da narrativa: ela evoca seus tempos de amante dum homem casado, o aborto que a tornou estéril: desilusões, perdas. Depois eles embarcam num trem, voltando da Itália para Estocolmo, na Suécia. Pouco depois, um outro trem vem em direção contrária, da Suécia para a Itália, e aparece à janela o ex-amante da moça e a mulher dele, conversam um pouco os quatro: reforça-se a intenção de memória do flashback, agindo impiedosamente sobre o vazio do presente.

Há um trecho aparentemente desligado do contexto (um outro conto?) em que uma mulher madura, recentemente viúva, é assediada por seu psiquiatra, e depois é tentada pela sedução lésbica duma amiga, este lesbianismo parece antecipar certas coisas de O silêncio (1962). Bergman logra o êxito de interligar este episódio nos demais, impedindo-o de ficar algo pendente, solto.

Sede de paixões representa um ponto de evolução no cinema de Bergman, como Juventude (1951) e Mônica e o desejo (1952), antecipando o grande salto de sua primeira obra-prima, Noites de circo (1953), outro jogo de relações incompletas e ciúmes exasperantes. Birgit Malmsten, ator característico de Bergman na época e que foi o pianista cego de Música na noite, vive Bertil, o homem que no início do filme aparece com a personagem de Ruth interpretada por Eva Henning; Ruth e Bertil são o casal desalentado que abre o panorama metafísico das imagens iniciais (primeiro num quarto bagunçado de pensão ou hotel, depois nos cenários instáveis do interior de um trem) de Sede de paixões. (Eron Fagundes)