Ainda que seja levemente inspirado na vida do cantor country Hank Thompson, Coração Louco não é uma cinebiografia. No entanto, o longa-metragem soa de início ao fim como uma tradicional biopic. Não só por seguir uma estrutura manjada para cinebiografias, mas por exalar sinceridade e autênticidade no retrato de Bad Blake, atravessando a tela e transformando-o em um homem de carne e osso. Eis aqui um filme simples, dedicado ao retrato visceral de emoções e não exatamente aos feitos estéticos e técnicos. Cinematograficamente falando, não é uma película de qualquer ousadia ou virtude em sua abordagem visual (ainda que a fotografia permita ambientes maravilhosamente intimistas). O verdadeiro valor do filme está nas emoções que exala e exemplifica com tamanha sensibilidade, cortesia da direção segura do estreante Scott Cooper (e de seu roteiro igualmente contundente).
Baseado em romance de Thomas Cobb, Coração Louco registra a trajetória de um cantor country conhecido como Bad Blake(Jeff Bridges) quando este se encontrava praticamente no fundo do poço tanto em sua vida pessoal quanto em sua profissional. Vivendo de seus sucessos do passado, o cantor é lenda para os habitantes das cidades que visita, mas está relegado a apresentações modestas em bares e até clubes de boliche. Fisicamente decadente e alcoolatra, Bad se arrasta de apresentação em apresentação sem muito propósito. Quando aceita fazer uma entrevista, porém, conhece a bela Jean Craddock (Maggie Gyllenhaal), jornalista divorciada com um filho que desperta em Bad sentimentos que ele havia esquecido que poderia sentir.
De início, o enredo de Coração Louco lembra muito o de O Lutador, substituindo a música country pela luta-livre. Apesar dos contornos bastante similares dos protagonistas, porém, são filmes um tanto distintos. Como em O Lutador, Bad Blake surge como uma figura renomada do passado em constante fracasso que encontra-se emocionalmente vazia. Seu estado físico é deplorável e sua condição financeira, lamentavel. Blake também se envolve com uma mãe solteira mas é aqui que os filmes se distanciam completamente. Alias, enquanto O Lutador primava pela crueza quase dilacerante refletindo a profissão do personagem principal aqui Bad Blake (e o próprio filme, por sua vez) é tão melancólico e agridoce quanto as músicas que entoa com tamanha intensidade.
Interpretado de forma formidável por Jeff Bridges, Bad é uma figura com a qual nos simpatizamos logo de início. Sua vulnerabilidade é escancarada com imensa sutileza por Cooper, em diálogos incisivos e tomadas bastante cruas. No todo, porém, os méritos são mesmo de Bridges, em caracterização infalível. Bridges não só canta muito bem, trazendo a tona na voz de Blake toda aquela dor e remorso, mas o constrói cena após cena com total naturalidade e uma densidade notável. São olhares, posturas e meros detalhes que se destacam (ou melhor, camuflam) para transformar este conto no mais realista e honesto possível. E é por isso que, contrariando toda sua assumida convencionalidade, o filme consegue ir tão longe. Não é sempre que nos sentimos tão envolvidos e sensibilizados por personagens em celulóide. Estes, porém, poderiam muito bem ter existido em outra vida.
Que Jeff Bridges reina absoluto em Coração Louco, simplesmente não há discussão. Ele não é, porém, o único mérito. A sempre fantástica Maggie Gyllenhaal surge em cena linda como nunca e protagoniza sequências emocionalmente poderosas. Ela e Bridges são, alias, os responsáveis pela naturalidade com a qual flui o relacionamento que inicia-se trôpego e irregular graças à uma rispidez desnecessária do roteiro. A química é tão forte, porém, que a evolução do relacionamento gradativamente toma conta da história. E o desfecho, alias, surge especialmente terno. Fugindo da previsibilidade em contraponto à fórmula praticamente intacta que sintetiza a descida ao inferno e busca por redenção de Blake as notas finais da película são puras e pungentes.
Como diretor de estreia, Scott Cooper ainda possui muito o que aprender. Ainda assim, nos surpreende com sua atenção a detalhe e na forma como sutilmente enquadra seus personagens e seus diálogos, destacando ainda a excelente edição. Há um senso de intimidade maravilhoso, cercado por diálogos sinceros e atuações realmente belas de todo seu elenco. Seja um especialmente convincente Colin Farrell ou a simples ponta de Robert Duvall. Como trata-se de uma história ficcional, foram necessárias criações musicais para os sucessos cantados por Blake e neste sentido o filme é um primor. A trilha sonora torna-se praticamente um personagem, oferecendo complementos singelos à jornada tão comovente de Blake. Quando The Weary Kind começa tocar, impossível não sentir certo aperto no coração.