Crítica sobre o filme "Música na Noite":

Eron Duarte Fagundes
Música na Noite Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/06/2010
Música na noite (Musik in mörker; 1947) pertence a uma fase do cineasta sueco Ingmar Bergman de que o desespero niilista e o rigor formal correspondente ainda estavam longe; é a pré-história de sua filmografia. Perpassa a narrativa um doce-ingênuo sentimentalismo que Bergman foi perdendo com a maturidade. Bergman se foi tornando cada vez mais uma mente mais e mais monstruosa e ameaçadora. Outro dado que faz a diferença em Música na noite é a origem do roteiro: um original literário, um romance de Dagmar Edqvist, desconhecido por aqui, com a depuração de seu estilo de filmar, Bergman foi tecendo seus próprios roteiros originais, devastadoras análises do interior do homem do século XX.

Mesmo assim, Música na noite revela como sempre o desempenho expressionista que marcou em qualquer época o visual dos filmes de Bergman, especialmente nos anos 40 e 50. E ainda que se trate duma fábula sentimental, não se confunde, por exemplo, com o sentimentalismo francês, pois Bergman já exibe sua aspereza nórdica de filmar, um jeito mais cerebral e contido de encarar as situações humanas.

Em cena, um melodrama, um sempre humilhado pianista cego se apaixona por uma camponesa serviçal numa casa de família. Bengt, o músico cego, e Ingrid, a sonhadora nórdica, cruzam vários percalços e desencontros até o final feliz quase improvável. A personagem doce (apesar das humilhações) do pianista de Música na noite contrasta com o terrível amargor da pianista sofisticada de Sonata de outono (1978), também um melodrama, porém mais intelectualizado e perverso.

Uma das curiosidades de Música na noite é um rápido nu de costas da atriz Birger Malmsten, ao que se diz um dos primeiros nus da história do cinema, ao menos no cinema oficialmente considerado; uma senhora, a governanta da casa, repreende a jovem personagem: “Como te atreves a tomar banho nua?†A jovem responde: “Mas estamos sós!†Mai Zatterling como o pianista cego tem um desempenho adequado e coordenado com a fluidez esbranquiçadamente romântica da atriz com que contracena. Gunnar Björnstrand, ator que se tornaria habitual nos filmes de Bergman dos anos 50, aparece brevemente numa cena como um interlocutor do pianista cego.

Longe, muito longe do melhor Bergman, Música na noite é um ponto histórico duma filmografia importantíssima. (Eron Fagundes)