Muitos questionam a validade de Atividade Paranormal como Cinema. Sua veracidade como uma obra da sétima arte, como cinematografia no senso mais acadêmica da palavra, por assim dizer. Em 1999, o cultuado A Bruxa de Blair surgiu como uma espécie de documentário. No filme, estudantes de cinema se perdem em uma floresta e são atormentados por algo que não vêem. De baixíssimo orçamento e filmado com câmera de mão, o filme era ainda assim Cinema. E até hoje uma das obras de terror mais impressionantes da história. Esse Atividade Paranormal, dirigido por Oren Peli, é um fenômeno viral que traz consigo este mesmo estilo: o longa-metragem começa como uma filmagem caseira e termina como sendo. O formato nos deixa a poderosa impressão de que o que vemos é algo real, documentado, cru. E é este o maior mérito da película. Como o espanhol [Rec] e o ótimo Cloverfield: Monstro, utiliza tal conceito com habilidade, consistência e mais importante consciência. Oren Peli oferece uma bela manipulação na arte de fazer Cinema, mas nunca subestima sua audiência. E, no cenário atual do gênero, é uma raridade.
Apropriadamente, o filme inicia-se sem créditos. Sem letreiros ou título. Abre com um homem olhando para sua câmera. Câmera essa que, aprendemos a seguir, ele acabou de adquirir. O homem é Micah (Micah Sloat), que mora em sua bela casa com a esposa Katie (Katie Featherston). Katie têm sido perseguida por uma espécie de aparição há muitos anos. Uma assombração que parece a seguir onde quer que ela vá morar. Com o enigma das ocorrências, Micah decide usar sua câmera para registrar eventos na casa. Para isso, coloca a câmera no quarto, a deixando ligada por toda noite. Assim, a audiência começa a testemunhar o que exatamente está ocorrendo ao redor deste casal. Alias, não testemunhar, já que como o eficiente A Bruxa de Blair a película aposta na sugestão, não no explícito. Outra diferença do filme às obras atuais do gênero, que por sua vez parecem estar em uma competição para ver quem sangra mais.
Peli confia tanto na sua audiência que, pela maior parte do filme, nada realmente ocorre de muito aterrorizante. Na metade da película seguimos o cotidiano destes personagens, os conhecemos, nos sentimos íntimos e, aos poucos, vamos iniciando uma conexão fortíssima com eles. Em especial, com seus temores. O medo que a audiência sente ao assistir em Atividade Paranormal trata-se de uma canalização do que os personagens sentem. Você fica tenso, amedrontado e arrepiado porque Peli lhe permite observar as reações deste casal, que enfrentam algo que se revela cada vez mais e mais maligno e ininterrupto. Quando eles chegam à realização de que aquele mal não irá embora, entram em desespero. Nós, a audiência, respondemos ao estímulo e sentimos também. É aí que reside a maior proeza desta obra. Poucas vezes podemos nos sentir tão ligados a personagens e sentimentos em obras de terror como neste Atividade Paranormal, que faz questão de quebrar regras e angustiar.
Portanto, o medo que reside no âmago do longa-metragem é algo que vai crescendo conforme a metragem vai evoluindo. Da mesma forma que os personagens começam a ficar cada vez mais aterrorizados, a audiência também. Então quando o filme chega na faixa de uma hora, você está completamente submerso naquele clima sufocante que se tornou a residência do casal. Um lugar cuja atmosfera assombra tanto porque não sabemos o que está acontecendo. E às vezes o medo do desconhecido é o maior de todos. Após uma hora de duração e para chegar a esse nível de angústia e conexão com os personagens é preciso se entregar ao filme e permitir que os personagens evoluem contigo Atividade Paranormal arrepia com sequências horripilantes.
Para aqueles que afirmam que o filme não é Cinema, vale observar o trabalho de edição curioso que é realizado. Tudo partindo do conceito de que trata-se de uma filmagem caseira e verdadeira, não podendo surgir a sofisticação de alguma cinematografia mais exemplificada. As elipses frequentemente aplicadas por Peli são condizentes com a proposta e os posicionamentos da câmera sempre muito oportunos tanto para o que Peli almeja retratar como para a validez do conceito do filme. O realismo é então prioridade a cada plano, a cada diálogo. Os atores, alias, não são profissionais e o filme marca seus primeiros papéis no Cinema. E vale dizer que ambos estão inesperadamente competentes, permitindo que nenhuma cena do filme soe artificial ou encenada. Existe um roteiro, mas sentimos que tudo é verdadeiramente documental portanto, improvisado.
O longa-metragem funcionará para quem enxergou o brilhantismo de filmes como As Bruxas de Blair e das obras irmãs mencionados no início deste texto. Atividade Paranormal requer a submersão da audiência. Em troca, entrega terror e agonia em abundância. É uma obra falha, obviamente. Roteiro não é sempre equilibrado e o desfecho, que por sua vez possui três versões, não é inteiramente satisfatório (o original idealizado por Peli era mais sombrio, ao passo que o sugerido por Spielberg surge burocrático). Não há como divagar do efeito que o filme provoca, porém. Do tipo de experiência que impressiona. Não é sempre que podemos assegurar isso de um filme.