Crítica sobre o filme "Desinformante, O":

Wally Soares
Desinformante, O Por Wally Soares
| Data: 25/03/2010

Por meio do classicismo com o qual tem início - em créditos iniciais pontuados por estética, música e letreiros de espírito retrô - O Desinformante faz soar como se estivesse retratando personagens e acontecimentos dos anos 70. Essa lógica se segue pelo resto da metragem. Seja no figurino clássico ou na direção de arte sugestiva. Ao contrário do que dá a entender porém, a história “verídica” da película se passa nos anos 90. Essa lógica contrária e muito curiosa estabelece o espírito cômico e irônico do filme, sintetizando o próprio personagem principal. A trajetória de Mark Whitacre é do tipo de história que fascina pelos aspectos um tanto inacreditáveis que a cerca. E, ainda que o filme já avise logo de início que se trata de dramatização de fatos, O Desinformante é conduzido com tamanha relevância e atuado de forma tão natural que fica difícil duvidar de qualquer nuance. É ótimo Cinema, portanto.

A história gira em torno da companhia de lisina chamada ADM, onde Mark Whitacre (Matt Damon) - sujeito desequilibrado e neurótico - trabalha há muitos anos e almejou conquistar o cargo de administrador da fábrica. Mas quando estranhas ocorrências tomam conta da empresa e uma investigação policial é iniciada, Whitacre se vê na posição de delatar o que vem sendo realizado no seu trabalho - algo que ele denomina como controle de preço. Ao se transformar no principal estopim para a investigação, Mark se torna um informante com condições especiais da polícia, trabalhando dos dois lados. Mas, representando seu papel com certo exagero, Mark cria uma rede de mentiras que aos poucos começa a desconstruir sua própria vida (real ou não).

O roteiro, escrito por Scott Z. Burns a partir do livro de Kurt Eichenwald, é um verdadeiro deleite. Burns, que já havia trabalhado com Damon no ótimo script de O Ultimato Bourne, confia no potencial do personagem que tem em mãos e realmente escora o filme no que o Mark Whitacre possui de mais fascinante. É um estudo de personagem caprichoso que só não almeja o brilhantismo pelas altas doses de humor e descompromisso depositadas sem uma maior percepção psicológica. Mas esse não é o filme que O Desinformante quer ser. Ao menos não é aquele que Steven Soderbergh construiu com tamanha esperteza, um diretor que é facilmente um dos mais ecléticos de Hollywood. Ao mesmo tempo, é também o com a menor percepção de ritmo nos trabalhos. O Desinformante, se não conseguir te envolver logo nos primeiros minutos, dificilmente te conquistará. Soderbergh é um cineasta muito pessoal na hora de construir uma narrativa e, diversamente, peca na hora da edição. A obra possui, porém, uma montagem muito dinâmica por parte de Stephen Mirrione, certamente salvando determinados momentos da mesmice.

Fator que mais exalta O Desinformante, porém, o transformando em uma película das mais espirituosas e aconchegantes, é o trabalho de composição de Marvin Hamlisch. A trilha de Hamlisch é uma delícia, injetando um ingrediente especial na veia do longa-metragem. Ao passo que Mark Whitacre vai descarrilando sua vida, Hamslich vai a pontuando com muito sabor e desenvoltura. Em síntese, toda a parte técnica do filme é uma virtude só. Com uma menção especial para a fotografia magnífica, cuja paleta destaca a iluminação e transforma a película em um exercício de sofisticação. E é ótimo que Soderbergh tenha compreendido a importância de todos estes elementos. A estética do filme representa uma enganação. A história não é setentista, não estamos vivendo nessa era de clássica espionagem e o nosso suposto herói não passa de uma tremenda farsa. Mark Whitacre se tornou um dos maiores mentirosos da sétima arte. E sua encenação é magistralmente canalizada por uma estética das mais farsantes, apresentada por Soderbergh em um acerto genial.

Impossível analisar O Desinformante sem mencionar sua peça principal: Matt Damon. Uma atuação soberba, a interpretação de Damon do estranhíssimo Mark é do tipo de trabalho que será (e, na verdade, foi) lamentavelmente ignorado. Arrolado em nuances em cenas e, em outras, inundado por uma energia incrível, Damon poderia carregar o filme nas costas se fosse necessário. Felizmente, não é. Soderbergh nivela com seu ator e entrega uma obra que, se analisada com o olhar certo, apresenta-se repleta de virtude e percepção. Nenhuma obra-prima, mas simplesmente mais um filme precioso do sempre interessante cineasta.