Por Wally Soares
| Data: 22/12/2009
O aperfeiçoamento da técnica em termos de efeitos especiais tem garantido, ano pós ano, uma legião de filmes que exploram de forma destemida até onde conseguem ir com essa tecnologia que tem em mãos. No cenário atual de Hollywood, basta ter uma gorda quantia de dinheiro para poder financiar um espetáculo. E, orçado em intimidantes US$170 milhões, G.I. Joe: A Origem de Cobra é em si um espetáculo. De fora a fora, é uma overdose de efeitos especiais estrondosos e frenéticos, compondo sequências de ação que provavelmente irão arrebatar aqueles que adoraram Transformers 2: A Vingança dos Derrotados. Ambos filmes, porém, são medÃocres em suas tentativas de fazer cinema. São manipulações vergonhosas que submetem a audiência à uma experiência puramente estética, construÃda não em base de talento e criatividade, mas dinheiro e burocracia. Tudo o que G.I. Joe: A Origem de Cobra visa atingir é status comercial e uma estilização pedestre da ação incansável. Em momento algum ele respeita o espectador, o subestimando até o último segundo da metragem.
Como Transformers (cujo primeiro filme deu certo), G.I. Joe: A Origem de Cobra é baseado em uma coleção de brinquedos da Hasbro. Possui, portanto, uma base de fãs que anseiam por uma obra que coloque seus bonecos em celulóide, na ação constante. Tendo em vista a bilheteria acumulada, o público caiu nas graças do espetáculo. O fiapo de roteiro da obra segue a história de uma unidade militar especial cujos soldados se denominam G.I. Joe. Na trama, a ameaça surge por meio de uma companhia de armamento chamada M.A.R.S., cujo próximo lançamento é tão perigoso quando cobiçado. É quando surgem os soldados Duke (Channing Tatum) e Ripcord (Marlon Wayans) que, numa missão para proteger a arma, se vêem descobrindo a unidade militar e unem-se à eles na tentativa coletiva de salvar a Terra do caos iminente, caso a arma caia nas mãos erradas.
A Origem de Cobra começa como uma espécie de O Homem da Máscara de Ferro (em uma cena totalmente descartável) e logo nos joga para um futuro próximo onde a mecanização das armas atingiu um pique extraordinário. Em outras palavras, o longa-metragem possui múltiplas oportunidades para brincar com efeitos especiais, e é isso que faz. Como alguma criança qualquer brincando com os bonecos do G.I. Joe, o diretor e os roteiristas resolvem brincar de fazer cinema. E é tudo uma brincadeira de mal gosto. Efeitos especiais em uma overdose desgastante entregam à pelÃcula uma atmosfera de artificialidade nociva, que por sua vez se iguala ao roteiro construÃdo da forma mais desleixada e burocrática possÃvel. O resultado é um blockbuster sem vergonha que ofende o que a sétima arte tem a oferecer, a todo momento sacrificando história e personagens em prol da ação descerebrada.
Realmente não tem perdão. O senso cinematográfico do diretor Stephen Sommers perdeu-se em meio à s gags frouxas e a falta de textura da ação. Se nos dois primeiros filmes de A Múmia o divertimento surgia honesto, aqui o cineasta desprende-se do sincero e ataca da forma mais baixa possÃvel, orquestrando um espiral descendente recheado de asneiras e o que posso chamar de personagens unidimensionais. A caricatura nunca esteve tão óbvia e os diálogos são os mais risÃveis possÃveis. O ridÃculo já é advertido logo de inÃcio quando um personagem vê o outro sendo agredido e, mesmo assim, não deixa de perguntá-lo se ele foi atingido. E os diálogos não possuem limites, dando os retoques finais à uma obra tola e hipnotizante em sua incoerência caótica. A narrativa é construÃda sem o menor cuidado em termos de trama ou personagens. Toda as cenas surgem apenas como desculpa para o pau quebrar solto e, quando o filme tenta compor seus personagens - em flashbacks óbvios - o longa-metragem só se torna mais questionável graças ao nÃvel condescendente com o qual tudo é delineado. Nada soa orgânico e resulta em algo dolorosamente artificial.
O visual possui seus méritos sim e, vez ou outra, a montagem surge interessante. No geral, porém, Sommers assume a mesma técnica de Michael Bay ao não deixar a audiência tomar fôlego entre uma tomada e outra, em cortes irritantes. Então os efeitos especiais surgem a todo momento espetaculares, mas totalmente insignificantes. Aos olhos de um espectador desiludido pela falta de história, eles se tornam obsoletos. E se os efeitos especiais diluem-se, a obra perde sua única virtude. É lamentável de verdade que os roteiristas confiem mais na computação gráfica que na inteligência da audiência, mas é exatamente isso que ocorre. A consequência disso é um exercÃcio dramaticamente ruim, dotado de uma falta de noção incrédula na sua abordagem de estrutura e emoções humanas. Ao final da projeção, você percebe que foram duas horas de sua vida totalmente desperdiçadas.
Se G.I. Joe: A Origem de Cobra já ofende o público e o cinema em si, ele é uma ameaça ainda maior ao gênero da ficção-cientÃfica. Retratando um mundo completamente implausÃvel na abordagem absurda de peripécias tolas, o longa-metragem definha de vez e quase leva ao fundo do túmulo os neurônios do espectador. Como se já não bastassem todas essas tolas atribuições, o elenco ainda almeja enfraquecer ainda mais o resultado. Assim, o excelente Joseph Gordon-Levitt recebe meus profundos pêsames, ao encarnar sem desenvoltura um personagem que é pura inverossimilhança. Channing Tatum enfrenta o papel de herói com os mesmos maneirismos e Marlon Wayans irrita com as tentativas deslocadas de humor. O pior é a participação canastra de Dennis Quaid e as estúpidas personagens encarnadas por Rachel Nichols e Sienna Miller. De fato, G.I. Joe: A Origem de Cobra é um verdadeiro show de horrores. E quando ele almeja alguma virtude, como na sacada final (por mais irreal que esta possa surgir), ele se anula pela condução burocrática. Sim, o filme termina com uma espécie de gancho nada sutil. Oro por Deus para que não resulte em uma sequência. (Wally Soares)