Crítica sobre o filme "Juízo Final":

Wally Soares
Juízo Final Por Wally Soares
| Data: 22/11/2009
A idéia inicial que rege “Juízo Finalâ€, de Neil Marshall, é uma relativamente batida, tendo sua âncora bem firmada tanto no cinema contemporâneo em meio à filmes como o tenso “Extermínioâ€, quanto no cinema mais clássico (possivelmente de onde extrai o tom trash). Ainda assim, os conceitos bolados por Marshall são promissores, e engatam a sua atenção logo nos primeiros momentos. O problema maior que o filme enfrenta é a falta de foco em termos de estilo e clima. Marshall começa anunciando um thriller apocalíptico, termina seu espetáculo como uma fita de ação e, entre um e outro, investe na comédia enraizada numa espécie de atmosfera do cinema trash. Marshall, que já provou que possui talento naquele seu tenebroso exercício em terror chamado “Abismo do Medoâ€, provavelmente teria feito um filme admirável caso tivesse abraçado apenas um dos gêneros que almeja alfinetar. O que ocorre é uma lamentável ambição desajeitada de construir um filme multifacetado em seus tons e estilos. Ao fim, pouco ressoa diante da incoerência.

“Juízo Final†inicia-se no ano de 2007, na Grã-Bretanha, em meio ao caos. Um vírus fatal denominado “O Ceifador†leva milhares à morte e o governo, impotente diante à tragédia, constrói um elaborado muro colocando os habitantes do local em quarentena. Passados 30 anos desde o isolamento, com a população esquecida em meio cenário inóspito que tomou conta da Grã-Bretanha, o vírus reaparece, desta vez em Londres. Já temendo a repercussão e a iminente tragédia, o governo cria uma força tarefa de agentes treinados para entrar no país abandonado à procura de um anti-vírus. Quem comanda o grupo é a Maj. Eden Sinclair (Rhona Mitra), que perdeu sua mãe nos escombros do apocalipse.

O que o grupo de agentes encontra na terra abandonada transforma-se no motriz a obra. Espelhando uma espécie de “Mad Maxâ€, os humanos que sobreviveram ao vírus tornaram-se animais em um mundo marginalizado. Com visuais bastante punk, eles espalham o terror e a violência, despidos de humanidade. É um ponto que resultaria em um belo fator para qualquer ficçã0-científica que se preze. Como retrato de um mundo pós-apocalíptico, tudo na obra parece funcional em sua primeira meia-hora. A sequência que aborda os canibais e a vida animalesca que levam traz consigo virtuosidade em condução. Logo, porém, o foco oscila, e o potencial se perde. Descobrimos, então, que aqueles punks representam apenas um grupo de sobreviventes. O outro surge em meio à cenário medieval bastante simplório, desvalorizado pela incapacidade de Neil Marshall, que também roteiriza, em extrair todo o potencial das idéias refrescantes que surgem na trama.

No “mundo medievalâ€, os habitantes abraçaram valores que abdicam do capitalismo e, em seus ideais, fomentam uma nova sociedade. Mais um conceito elaborado por Marshall que, na frivolidade do desenvolvimento, se perde. “Juízo Final†é uma coleção de boas idéias, mas estas parecem espalhadas e sem textura. Como ficção-científica, é uma obra bastante fraca em sua concepção e nas implicações sociais. Como entretenimento carregado pela ação frenética, é um longa-metragem eficiente por ser sistematicamente bem dirigido, ao passo que é editado com vigor e fotografado com excelência. Os aspectos técnicos nunca deixam a desejar e, na maior parte das vezes, o filme até surpreende pela qualidade digital de efeitos especiais oriundos de um orçamento bastante limitado. Figurino, maquiagem e outros atributos se seguem ao construir uma obra que não decepciona na articulação estética e sensorial. A trilha, alias, é estupenda.

Tudo então surge envolvente e visualmente excitante. Mas, por outro lado, terrivelmente ensaiado. Algumas cenas beiram o superficial e carregam consigo uma aura desagradável de artificialidade. Numa obra como “Juízo Finalâ€, o artificial nunca é bem-vindo. Às vezes, porém, sentimos como se certos elementos deslocados tenham sido desenvolvidos pelo cineasta intencionalmente. O que não deixa de transformá-los em excessos execráveis por não encontrarem a fluidez ou a plausibilidade no mundo criado. Marshall não se situa, não parece saber exatamente o que ele quer criar. Confunde a audiência e a manda para fora da sessão um tanto desnorteada. O divertimento gratuito é ótimo e o longa atinge proezas significativas em sequências bem realizadas. Mas, novamente, nada ecoa.

O elenco é o estopim para o desagrado geral. Mitra encarna de forma caricata a heroína de trejeitos masculinos, Malcolm McDowell insiste na canastrice e David O’Hara assusta com sua total frigidez. O fator humano da obra, que já era tratado superficialmente em prol das idéias subversivas, se perde totalmente diante da incapacidade do elenco. “Juízo Final†acaba representando, então, o simples desapontamento. Em meio à boa direção, um show de técnica e potencial intimidante, nasce um longa-metragem obviamente perdido em sua própria contradição ideológica. O olho “especial†da personagem interpretada por Mitra é apenas o primeiro de muitos fatores que, irregulares, inibem a força dramática da obra, a relegando ao gênero dos mais simplistas e, pior ainda, ao esquecimento automático.