Por Wally Soares
| Data: 21/09/2009
Todo mundo se lembra de Atração Fatal. De 1987, o suspense psicológico de Adrian Lyne marcou a geração, virou o maior pesadelo do homem e ainda hoje é um clássico marco do cinema. Pela originalidade, pelo furor, pela "visceralidade" e pelo poder de seu elenco em almejar criar personagens que permanecem vivos mesmo mais de 20 anos depois. Falo desta pequena grande obra porque as comparações com Obsessiva são quase inevitáveis. E porque é necessário ressaltar um exemplo de sucesso ao lado de um fiasco. "Obsessiva" não viverá por mais de 20 anos por faltar em todos os elementos virtuosos listados acima que ocorreram em Atração Fatal. Na verdade, o filme terá sorte se sobreviver um ano. Até para quem conseguir o feito difÃcil de admirar esta falha e rasa obra pretensiosa, é difÃcil pensar na ocasião de que esta pessoa venha a recordar da experiência em tempos seguintes. Obsessiva não marca porque não deixa uma impressão, graças à tamanha transparência de sua história, seus personagens irregulares e sua condução excessivamente enfadonha.
A trama foi roteirizada por David Loughery, que havia acertado recentemente com o roteiro interessante (ainda que falho) de O Vizinho. Na verdade, Obsessiva havia sido planejado com um outro jogo interracial, mas um que remetia aos personagens do filme prévio de Loughery. Logo, a idéia foi reescrita. O que ocorre aqui é uma trama que tem como foco o casal perfeito de Derek (Idris Elba) e Sharon (Beyoncé Knowles), que acabam de ter um filho e se mudam para uma nova luxuosa casa. Derek é vice-presidente de uma companhia, e a vida do casal segue perfeita até que Lisa (Ali Larter) surge no escritório de Derek. Uma espécie de flerte se inicia entre os dois, uma cordialidade de Derek mal interpretada por Lisa que a leva a crer que exista algo entre os dois. Quando Lisa é rejeitada, se deixa levar por sua obsessão ao homem casado, provocando repercussões desastrosas na vida de Derek e de sua famÃlia. O resto você já sabe.
Talvez os principais erros do filme sejam suas camadas e camadas de clichês, previsibilidade e detalhes artificiais. Há momentos no filme em que não se pode ser extraÃdo nada além de pura manipulação e mediocridade. Os diálogos são horrivelmente mal escritos e as cenas possuem um desenrolar estranhamente irregular. O roteirista sabe que seu enredo é comum demais e, numa tentativa de oferecer uma experiência mais inesperada e fresca, cai em armadilhas do gênero que fragilizam a pelÃcula. As armações são todas previstas, os ganchos para suspense se tornam risÃveis e as emoções entre os personagens nunca se desprendem do básico e de limites propostos por uma censura leve demais e uma direção sem pulso. O resultado é um trabalho cansativo, que percorre os mesmos caminhos usuais e quando começa a entrar em território mais tórrido, não deixa de recorrer ao manual de instrução.
O que mantém "Obsessiva" assistÃvel até seu fim é a particularidade que seus personagens parecem carregar dentro de si. E o que mais irrita é testemunhar estes valores serem dispersos por escolhas burocráticas e sequências de drama que não soam cruas ou autênticas. As emoções são jogadas fora, e os sentimentos de seus personagens viram entrelinhas quando deveriam ser o motriz. Mas a trama (ou a falta de uma trama) parece se importar mais. E, então, a sessão se segue aplicando os truques, o suspense barato e acreditando que possui algo a dizer psicologicamente. Mas não há nada aqui a ser dito. Algumas cenas, alias, são imensamente gratuitas, não possuindo relevância alguma para a história e trazendo a tona pontas soltas que apenas enfraquecem ainda mais o longa. Tudo parece culminar em um ato final em que o roteirista acredita que irá surpreender a todos. Mas todo mundo que sabe como Atração Fatal termina vai ter uma idéia de como Obsessiva alcançará seu trágico fim. O clÃmax do filme, por sua vez, ganha pontos pela diversão proposta em uma luta cÃnica e descomprometida.
O elenco do filme é outro aspecto do filme que possui relances de virtuosidade mas que são engolidos pela mediocridade do projeto. Idris Elba não consegue fazer muito com seu personagem, mantendo a impassividade e nunca trazendo a tona qualquer emoção verdadeira. Mas Beyoncé Knowles continua provando ser uma atriz formidável, e aqui é rebaixada ao papel óbvio de mãe de famÃlia perfeita que logo é provocada e traz a tona a ira. Quando Beyoncé está limitada a brincar de casinha, causa risos involuntários. Mas quando o roteiro dá uma chance para ela se soltar, ela se aproveita. Ali Larter, por sua vez, começa bem e vai rolando ladeira abaixo. Traz talento, mas este não resiste à irritante personagem unidimensional que interpreta. E eis que o que deveria ser a alma do projeto definha. No final das contas, não existe alma, coração ou emoção em jogo aqui. Tudo simplesmente soa como um cálculo errado. As músicas erradas, as intenções erradas, a trama errada e, principalmente, uma cena final errada. Depois de um clÃmax até memorável, o filme nos joga um último momento assustadoramente tolo. E ainda arrumam uma forma de inserir uma canção de Beyoncé logo ao fim. A coitada pode tentar fugir de seu estrelato na música (é seu primeiro papel em que não canta uma vez se quer), mas Hollywood não vai abrir mão assim tão fácil. Mas que ela tem potencial, isso é irrefutável. E não merece ser rebaixada por filmes feios como Obsessiva.