Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 07/09/2009
O cineasta japonês Yasujiro Ozu é o mestre da simplicidade cinematográfica; simplicidade que ele trabalha até a exasperação. Os irmãos da famÃlia Toda (Tocha Ke no Kiodai; 1940), lançado em dvd entre nós pela Lume, é umas muitas obras-primas onde o rigor profundo de Ozu é um exemplo cada vez mais distante do cinema de barulhos triviais e exagerados que povoam as telas de hoje. Como é habitual em todas as narrativas de Ozu, parece que nada acontece de importante na vida de um punhado de personagens que se põem a entoar diálogos comuns e a aproveitar diante das câmaras seus gestos corriqueiros; tudo aquilo que o cinema habitualmente despreza, porque não serve à intriga fÃlmica, Ozu traz para o primeiro plano como um captador da alma de suas criaturas.
Que diz Ozu de si próprio? Citadas pelo dicionarista francês Georges Sadoul, eis suas palavras: “Agora os filmes com uma denunciada estrutura dramática aborrecem-me. Claro que um filme deve ter uma estrutura, mas não é bom se nela se vê demasiado o drama.†Em Os irmãos da famÃlia Toda morre o patriarca duma famÃlia nipônica, segundo voz corrente em função de seus excessos com o saquê; um ano depois, na oração pela alma do defunto, os problemas familiares são discutidos; entre a morte e a homenagem de um ano de falecimento o filme de Ozu tergiversa vagarosamente sobre o que a viúva e os filhos do falecido estão fazendo diante da circunstância que lhes alterou aquilo que estavam vivendo, para uns uma alteração maior, para outros nem tanto.
Os clássicos planos estáticos de Ozu tem uma plasticidade e uma tendência espiritual que rivalizam com o francês Robert Bresson, considerado um “barroco requintado†diante da quase-ingenuidade formal que Ozu adota. Ninguém filmou o cotidiano do mundo com a beleza e a despretensão de Ozu. Nem mesmo o francês Jean Renoir. Em Ozu o cotidiano não é um ponto partida: é este cotidiano o próprio cinema no universo de Ozu: o cotidiano como linguagem, isto na verdade só existe de maneira radical em Ozu. Ele é mesmo mais engenhoso que Kenji Mizoguchi e mais transcendente que Akira Kurosawa: é Ozu o realizador japonês diante do qual se pode estar de joelhos. (Eron Fagundes)