Por Wally Soares
| Data: 31/08/2009
Fazendo jus ao seu tÃtulo, "Divã" é um filme que usa o icônico aposento na sala do terapeuta como uma forma de sua personagem, Mercedes, entregar tudo sobre a sua vida. E, quando entramos numa sala de terapia, adentramos uma transe em que desabafos tomam conta da consciência, sem que esta tome conta de nós mesmos. Em outras palavras, derramamos tudo que estava preso dentro de nós mesmos formando um nó na garganta. E, em sÃntese, é o que ocorre em "Divã", o que o valida brilhantemente por trazer uma personagem tÃpica em situações atÃpicas, entrando numa sala de terapia, deitando num divã e narrando sua vida, suas angústias, seus pesares e seus momentos de felicidade. Ela narra, ali, sobre sua vida. Mas reflete um pouco da vida de todos nós. É aà que está o poder deste limitado e em vezes simplista filme. Está na sobriedade de um texto que mexe com emoções e reflexões verdadeiras. A fraqueza, por sua vez, está na forma como o mesmo texto esmiúça a validez de seus depoimentos em detrimento do melodrama e do humor fácil.
Na história, Mercedes (LÃlia Cabral) é uma mulher de 40 e poucos anos casada com Gustavo (José Mayer), homem pelo qual ama e vive um feliz, porém difÃcil casamento. Os anos se passaram, os filhos cresceram e Mercedes perdeu a paixão que movia o relacionamento. Com uma clara crise de meia-idade, Mercedes decide iniciar sessões de terapia, momento onde começa a confessar eventos de sua vida. Sua amizade com Monica (Alexandra Richter), a infidelidade do marido, a sua infidelidade com Theo (Reynaldo Gianecchini) e inúmeros outros rumos que sua vida começa a tomar depois que ela vê a possibilidade de melhorá-la. E, então, seguimos o que se passa na cabeça de Mercedes, uma mulher forte e falha, angustiada e feliz, e todas as outras particularidades que podemos encontrar em nós mesmos. A identificação será chave na hora de apreciar "Divã".
É arrasadoramente decepcionante, portanto, quando medimos o quanto este pequeno filme poderia ter alcançado. Os melhores momentos do filme chegam sob diálogos introspectivos, cenas que comovem e personagens que soam reais e fortes. Mas o roteiro não almeja manter essa regularidade. Ou talvez estas claras virtudes tenham sido meras importações da obra na qual o longa se baseia. É muito provável que tenha sido a má estruturação do roteiro de Marcelo Saback que tenha diluÃdo tanto o que o filme tinha a entregar. Então, se em uma cena nos deliciamos com retratos genuÃnos, em outra franzinos diante de encenações superficiais e frÃvolas. O humor do filme, por sua vez, tem seus bons momentos. Entretanto, ele pesa demais contra o drama, e o resultado é uma irregularidade detratora. Mas seria impossÃvel não esperar que o humor dominasse boa parte do filme, levando em conta que o roteirista e o diretor José Alvarenga Jr. tenham surgido de projetos totalmente cômicos, como os programas "Sob Nova Direção", "Sai de Baixo" e filmes como "Os Normais".
O diretor, na maior parte das vezes, sofre da mesma sÃndrome de Daniel Filho (Se Eu Fosse Você 2), não almejando distanciar o cinema que faz da televisão que produz. E, por isso, "Divã" traz elementos televisivos incômodos. Diálogos bobos, situações artificiais, acabamento estético pobre e pouca ou nenhuma ambição em termos de linguagem cinematográfica. Se salva um belo momento que traz a personagem de Mercedes após uma tragédia. Neste sentido, é válido ressaltar tanto a pobreza da trilha sonora (óbvia demais), como também a força da atuação de LilÃa Cabral, que eleva "Divã" à um nÃvel do qual não teria chego sem sua atuação verossÃmil, esperta e sensÃvel. Cabral, em momentos, parece até tentar disfarçar as cenas mais mal roteirizadas. E, na maior parte das vezes, ela acaba salvando o filme. O mesmo não pode ser dito pelos coadjuvantes. Mayer e Richter nunca comprometem, mas Gianecchini incomoda com sua atuação oca e caricatural. Cauã Reymond segue pelo mesmo caminho, mas neste sentido, o roteiro possui a culpa. Reymond interpreta um ridÃculo personagem que estereotipa a juventude brasileira da forma mais artificial possÃvel. E o ator não nos convence, principalmente na revelação de que tem apenas 19 anos.
"Divã", como "Se Eu Fosse Você 2", foi um sucesso nos cinemas brasileiros. Ainda que em menor grau levando em conta a comédia de Daniel Filho, o sucesso de "Divã" é uma saudável melhoria na hora de encarar o que o público do Brasil está adepto à digerir. As convicções, as reflexões e a força introspectiva do filme são grandes virtudes. Junta-se então o talento de Cabral e temos uma obra que merece ser conferida, e até mereceu seu sucesso. Isso não quer dizer, portanto, que trata-se de um filme imperdÃvel. É uma pena, mas toda a paixão que "Divã" parece querer transmitir é condensada pelo tom burocrático assumido pela obra. O humor incansável, o melodrama forçado e todos aqueles atributos que parecem ser adversos ao bom cinema. Desculpamos seu defeitos para apreciar as qualidades, mas "Divã" será lamentavelmente esquecido em um curto espaço de tempo.