Crtica sobre o filme "Classe Operária Vai ao Paraíso, A":
Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 20/07/2009
Com o passar dos anos, a específica grandeza cinematográfica de A classe operária vai ao paraíso (La classe operaria va in paradiso; 1971), filme-emblema da associação política e cinema dirigido pelo italiano Eli Petri, assoma à janela da história. Na década de 70, o passado de ativista político de Petri e o pensamento de esquerda do realizador assombravam qualquer análise que se fizesse sobre o filme, embora ficassem claras as originalidades formais, como as possibilidades abertas pela câmara trêfega de Petri adequando-se ao desempenho tresloucado de Gian Maria Volontè numa de suas interpretações mais exuberantes; mas agora que boa parte daquilo que o filme expõe envelheceu, adquirindo seus ares de chavões operários, sobressai aquilo que nunca mofa em A classe operária vai ao paraíso: sua inesgotável energia estilística, ou seja, é bom porque é cinema e não por sua atualidade temática ou política.
No centro da trama o operário Massa, vivido sem meios tons por Volontè; sua vida agitada de trabalhador, misturando-se a excertos desordenados de sua problemática vida privada, é acompanhada por uma câmara minuciosa, cheia de cortes e movimentos bruscos que se agitam agitando os olhos do espectador; em termos semióticos, a composição de Volonté, com os gestos nervosos e provocativamente grotescos do ator, segue esta linha de linguagem estabelecida pela câmara.
As fragmentações de imagem que Petri usa de maneira intranquila para intranquilizar o espectador diante da explosividade de seu tema ( o beco sem saída do operário no universo capitalista da década de 70) atingem em vários momentos uma supremacia estética. Pode-se citar a esmo uma cena em que Massa transa com uma mulher dentro dum carro, suprema arte de corte, montagem e um descarregar de palavras na imagem. Mas acima de tudo a sequência final em que Massa conta a seus colegas um sonho com o paraíso para além dum muro, os operários cantam (ou recontam) a história do delírio onírico de Massa como se fosse uma ópera; é um momento em que o cinema se extasia de si mesmo.
De maneira diversa e todavia geneticamente parente da de Jean-Luc Godard em A chinesa (1967) e de Michelangelo Antonioni em Zabriskie Point (1969), Petri abunda em ditos verbais (aforismos políticos da época) enquadrados em planos curtos tão agitados quanto desconstrutivistas em suas formas; o que em Godard parece uma “literatura política” filmada e em Antonioni se concentra nas pequenas turbulências da câmara nas faces falantes de algumas personagens (uma discussão de estudantes), em Petri é o sensual da imagem que vai transbordar. É pena que Petri tenha vivido pouco mais de cinquenta anos. O cinema que veio depois dos anos 70, a partir do começo da década de 80, se ressente da ausência da veia cinematográfica única de Petri. E A classe operária vai ao paraíso é uma obra que o espectador nunca cansa de rever, sempre com paixão, a despeito da irônica frieza analítica de que Petri a reveste muitas vezes. (Eron Fagundes)