Existem aqueles filmes que, quando terminamos de ver, não só nos dão uma sensação boa, como também um aprendizado. Desde que
Happy go Lucky estreiou no festival de Berlim, e Sally Hawkins venceu o leão de prata de melhor atriz, além da temática do filme, eu esperava ansiosamente vê-lo e analisá-lo. Pois bem, visto o filme, digo simplesmente que este é o filme mais doce do ano. Alegre, inteligente, singular e extremamente bem feito, Happy go Lucky vem em contrapartida dos usuais filmes de Mike Leigh, que retratam mais os dramas do dia-a-dia do que a felicidade casual.
A história é centrada em Poppy (Sally Hawkins), professora primária de 30 anos, alegre, divertida, que divide apartamento com sua melhor amiga também professora Zoe (Alexis Zegerman) e é uma pessoa imensamente feliz. Sim, pura e verdadeiramente feliz. Ela não mede esforços em querer que os outros também sejam felizes, e mesmo não sendo apaixonada por ninguém ela não reclama. Apenas vive, como na verdade todos nós devíamos viver. Ela diverte-se nas baladas, vai à feira, adora ensinar e interagir com seus alunos, sempre depois do trabalho vai pular em cama elástica para se desestressar e faz aula de flamenco. No meio de tudo isso, Poppy perde a sua bicicleta e decide tomar aulas de direção. É aí que ela conhece Scott (Eddie Marshan, maravilhoso no papel), seu novo professor de direção que se revela ser seu oposto: ele é mau- humorado, chato, pessimista e aparentemente infeliz. Implica com o jeito de Poppy, suas botas, suas piadas e seu jeito encantador. E é neste antagonismo maravilhoso, que Mike Leigh desenvolve sua idéia: diferentemente de longas como
Amélie Poulain, onde a protagonista quer fazer outros felizes e não encontra resistência, Poppy encontra em Scott a sua verdadeira resistência, que é onde as pessoas, em sua rotina, perdem realmente a alegria de viver.
A lição do filme é totalmente simples, e muito clara: em vez de ficarmos reclamando das coisas que não temos, ou que gostaríamos de ser e não somos, deveríamos apenas viver a nossa vida, tendo orgulho do que realmente somos. É simples, é básico é singelo, mas é a pura verdade. Ao longo da trama, onde Poppy vai vivendo as aventuras e contratempos de sua vida, ela vai também conhecendo outras realidades, como a de seu aluninho de 7 anos agressivo, ou de um mendigo que ela encontra na rua. Mais do que isso, Poppy vai aprendendo mais, e também crescendo mais em si mesma. Falar mais do enredo é até covardia, pois este é um filme que realmente deve ser apreciado em todos os seus detalhes.
Em relação à parte técnica do filme só posso dizer que é excelente. Mike Leigh não só dirige muito bem como escreve muito bem este roteiro (aliás sua indicação ao Oscar de roteiro original foi realmente obrigatória). O figurino da sempre ótima Jacqueline Durran é uma graça: as roupas de Poppy são muito bem distribuídas (prestem atebnção nas meias rendadas coloridas, que são um charme), a fotografia de Dick Pope é graciosa ao extremo, a direção de arte de Patrick Rolfe e Denis Schnegg é excelente, e a trilha de Gary Yershon (de Topsy Turvy) é realmente de uma delicadeza profunda.
Quanto às atuações Eddie Marsan está ótimo, assim como todo o elenco secundário do longa (incluindo Alexis Zegerman e Samuel Roukin). Mas Sally Hawkins...Sally é luz, é dia, é sol, é emoção, é sorriso, compensação, é arranjo e poesia. Sua Poppy não é apenas radiante, ela é sublime. Independente de Sally não ter concorrido ao Oscar, desde já ela merece aplausos. Merece por ter feito a atuação mais original que eu vi desde a maluquinha Ashley de Amy Adams no independente Junebug, por ser segura, autêntica e certeira em seus atos. Sally, que já havia trabalhado com Leigh
O segredo de Vera Drake, e em
Agora ou Nunca, esteve presente na tão polêmica e aclamada série baseada no best-seller de Sarah Waters "Fingersmith", mas ganhou notoriedade no ano passado por protagonizar a versão para a tv de
Persuasão baseado na obra de Jane Austen. Com certeza, haverá para Sally um "antes e depois" em sua carreira.
E "Emmarhah" pra vocês também.
(Viviana Ferreira).
Os admiradores do diretor Mike Leigh devem se preparar para conhecer um filme um pouco diferente. Embora tenha sido feito de sua maneira habitual, ou seja, ele improvisou o roteiro com seus atores durante seis meses, desta vez não fez um drama pesado como Segredos e Mentiras (“Secrets & Lies” - 1996) e O Segredo de Vera Drake (“Vera Drake” - 2004) ou um musical como Topsy-Turvy (1999). É mais uma comédia, um estudo de personagem, onde a história é menos importante do que a protagonista, seu comportamento, sua maneira de ser, suas características.
Um filme que revelou uma atriz - Sally Hawkins -, que já havia trabalhado com ele antes em Tudo ou Nada (All or Nothing - 2002) e Vera Drake, e participado de filmes como O Segredo de Cassandra (2007), de Woody Allen, Nem Tudo é o que Parece (2004) e O Despertar de uma Paixão (2006), embora, mesmo depois deste filme, as pessoas ainda terão dificuldade de guardar sua fisionomia.
Sally foi a melhor atriz no Festival de Berlim, ganhou o Globo de Ouro de comédia, e melhor atriz pelos críticos de Nova York, Boston e National Society, dentre outros. Mas foi esquecida pelo Oscar. Injustamente. Porque é memorável sua criação de Poppy, uma garota que está sempre feliz, bem-humorada, alegre, ou seja, uma chata. Ela é uma professora numa escola do Norte de Londres, perpetuamente otimista e disposta, justamente a ponto de levar qualquer um à loucura. É difícil se ver um personagem desses no cinema, embora eu conheça alguns na vida real. Mas Leigh teve a sensibilidade de descobrir essa figura, e fazer com que Sally a interpretasse com verdade, sem cair nunca na caricatura. O filme não tem muito o que contar, mostra sua vida, tomando lições de flamenco, convivendo com as amigas, tentando aprender a guiar com um mal-humorado professor - Eddie Marsan - que primeiro implica com ela, e depois sente-se atraído. Até se mostrar um lado mais profundo dela, quando tem que cuidar de um garoto com problemas.
O filme, embora seja o mais leve de Leigh, não deixa de ter momentos sérios e até profundos, que ele sabe resolver com talento. Mas, para mim, é um show de uma atriz muito especial, muito rara, que merecia maior reconhecimento. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 13 de abril de 2009)