Crítica sobre o filme "Retratos da Vida":

Eron Duarte Fagundes
Retratos da Vida Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 16/05/2009
Há uma cena em Retratos da vida (Les uns et les autres; 1981), o filme mais referido do realizador francês Claude Lelouch, em que soldados da Gestapo penetram numa sala de aula em busca de garotos judeus e mandam um deles tirar a roupa para a verificação. Alguns anos depois, outro francês, Louis Malle, faria dum episódio assim, guardado entre suas lembranças pessoais, o miolo estrutural de um filme: Adeus, meninos (1987) tem como centro (ou holofote) a invasão duma sala de aula por agentes da Gestapo para capturar meninos judeus. Aí o espectador começa a pensar nas abissais diferenças: entre a lucidez crítica de Malle e o escapismo fácil das imagens edulcoradas (mistura do sentimentalismo francês com evocações do musical hollywoodiano) de Lelouch; em Retratos da vida a guerra é somente um efeito, a cena da sala de aula se perde no mosaico desarrumado de fantasias, enquanto em Adeus, meninos a agudez psicológica e filosófica de Malle nunca escapa da dureza de seu tema.

Retratos da vida foi, não há dúvida, um filme que marcou as discussões cinematográficas dos anos 80: houve quem se deixasse apaixonar pelos embalos dionisíacos do bolero de Ravel dispostos numa tela de cinema, mas houve também quem visse ali um modelo de cinema superficial, onde a boniteza de filmar do cineasta era mesmo enganosa. Como O baile (1987), do italiano Ettore Scola, Retratos da vida se vale duma certa sensualidade musical para cobrir algumas décadas das vidas de algumas pessoas; se O baile é preciso em suas marcações da história da França, Retratos da vida divaga com excessiva faceirice e algumas imprecisões de marcações por aquilo que a guerra trouxe para o mundo europeu dos anos 40 e 50.

O elenco (como a música coordenada por Michel Legrand) é um colorido à parte neste filme de facilidades coloridas. A francesa Nicole Garcia, que depois também seria diretora de filmes. A norte-americana Geraldine Chaplin, que foi casada com o cineasta espanhol Carlos Saura, para quem interpretou algumas obras-primas do cinema dos anos 60 e 70. O polonês Daniel Olbrychski, que foi um dos intérpretes de A terra prometida (1975), talvez o melhor filme de Andrzej Wajda. E Jorge Donn, que fez também a exultante coreografia. E Robert Hossein e Evelyn Bouix, que chegou a ser a senhora Lelouch, e Fanny Ardant, então mulher de François Truffaut.

Retratos da vida é o filme mais estimado pelos admiradores de Lelouch, ao que parece. E, pelo que se pôde ver em suas obras mais recentes exibidas por aqui (A coragem de amar, 2005, uma apreciável investigação sentimental, e Crimes de autor, 2007, confusões intelectuais-sentimentaloides), Lelouch não se alterou muito com os anos. (Eron Fagundes)