No seu retrato sobre a vida suburbana dos anos 90, o eclético e observador Sam Mendes (
Soldado Anônimo) mostrou que, por trás das mais belas flores, existem espinhas e mofo. Agora, Mendes oscila seu olhar crÃtico para os anos 50 e retrata não só a hipocrisia e a decadência do sonho americano, mas a amargura ao mostrar a queda de duas pessoas que acreditavam tão fortemente neste sonho, se tornando prisioneiros dessa ilusão. Aqui, Mendes abandona o bom humor que marcou seu filme de estréia, o extraordinário
Beleza Americana, cercado de sarcasmo, humor negro e, claro, um drama intenso e belÃssimo. Em
Foi Apenas um Sonho, o que ele abandona no humor ele resgata no cinismo, ao nos jogar sem dó no turbilhão de decepções, angústias e pesares da famÃlia Wheeler. O filme inicia-se com o florescer da paixão e o começo do sonho, apenas para depois nos jogar repentinamente para o futuro, em meio à um clima de tensão entre o casal que resulta numa discussão das mais nervosas e intensas, nos mostrando exatamente o que está por vir. Aqui, é bem válido ressaltar a qualidade da edição, muito eloquente. Aos poucos, vamos nos envolvendo no mundo deste casal e, mais importante, vamos formando uma espécie de elo, ao presenciarmos como eles caÃram de amores não só um pelo outro, mas pelo que o tão famoso sonho americano tinha para lhes oferecer.
À parte das discussões fervorosas, o filme é um tanto silencioso, simples em seu formato e, em sua virtude, repleto de belÃssimas nuances. Mendes trabalha estilo e visual com muita elegância. A fotografia rica de Roger Deakins explora os tons mórbidos da rotina do casal e a constante mesmice desta, enquanto Thomas Newman corajosamente compõe uma trilha não de ritmos catárticos, mas de uma significância cruel para com os sentimentos dos personagens, que oscilam entre a frustração, a ilusão e, mais constantemente, a desilusão. Ao lado de tais atributos, ainda temos uma direção de arte sofisticada e um figurino exemplar tanto nos próprios modelos como também na própria significância que adquirem. Tecnicamente, portanto, é um trabalho dos mais competentes. E o clima construÃdo por Mendes e companhia é essencial ao transmitir todo um sentimento e uma particularidade. Uma atmosfera das mais sufocantes pela esmagadora constatação da realidade transmitida. Certos enquadramentos revelam uma beleza digna e uma articulação cinematográfica afiada.
No elenco, porém, é onde encontramos o motriz do projeto. Leonardo DiCaprio e Kate Winslet mais uma vez constroem uma quÃmica estupenda, ao compor um casal de muita intensidade. Enquanto DiCaprio surpreende por sua dedicação, e em vezes é arrepiante testemunhar sua entrega ao papel, se transformando em um ser completamente vulnerável e de emoções cortantes, Winslet denota novamente seu poder irrefutável como uma atriz soberba. Seus olhares são extraordinários e toda sua construção impressiona pela fascinação almejada, adicionando nuances a mais na já rica personagem. Em cenas, é difÃcil não começar a aplaudi-la de pé. Apesar de comandarem o filme, o casal não é o único deleite do elenco. Além de uma contida mas eficiente Kathy Bates, nos deliciamos com o desempenho fortÃssimo de Michael Shannon, cujos poucos minutos em tela (em duas grandes cenas), trazem a tona todo um clima novo ao filme, uma percepção mais cortante e uma força de condução incontestável. O seu “louco†personagem é uma ácida inclusão ao roteiro, cujos diálogos soberbos quebram qualquer incitação hipócrita e esmagam sentimentos vulneráveis. É arrasador.
Virtudes, portanto, não faltam ao filme. Ele é, porém, demasiadamente triste. Em certas cenas contundentes (as únicas), nos empolgamos com as esperanças e os planos dos Wheeler, ao fazerem planos de uma virada em suas vidas que conforta mas não deixa de disfarçar que existe incerteza por trás. Mas nós sorrimos com o casal e tais momentos de leveza e sorrisos são úteis ao quebrar o clima pesado. Mas no fundo mesmo imaginamos como tudo terminará – mas nem por isso deixamos de sermos surpreendidos pelos minutos finais do filme, que fogem completamente ao convencional e não poupa ninguém, nos deixando profundamente marcados com suas implicações retumbantes. Nós sofremos, ao lado dos personagens, ao nos vermos angustiados pela transformação dos eventos e o caminho tristemente pavimentado para a famÃlia. O filme de Mendes é, por isso, um olhar cortante. Ele olha bem de perto para sentimentos e particularidades, e o resultados é dos mais devastadores. Ainda com um discurso arrebatador sobre verdades e mentiras, o peso e as consequências, o filme te manda para fora atordoado e sem esperanças. Neste mundo, nenhum personagem é redimido e ninguém sai ileso ao sufoco da geração. A tristeza torna-se uma infestação. E, talvez por isso, o filme fique a tanto tempo ecoando em sua mente. A cena final é quase uma constatação desse nosso equÃvoco como seres humanos de nos adequarmos a viver na mentira, sejam quais forem as circunstâncias, ou as consequências.
(Wally Soares – confira o blog Cine Vita) .
Sam Mendes é um bom diretor de cinema norte-americano, mas ainda não deu o grande salto para fugir à s concessões de narrativa comercial que se chocam com as pretensões crÃticas de seu cinema. Em seu novo filme, Foi apenas um sonho (Revolutionary road; 2008), Mendes refaz as virtudes e os problemas de suas duas realizações anteriormente vistas por aqui, Beleza americana (1999) e Estrada para perdição (2002; este filme por sua vez também tinha “roadâ€, estrada, caminho, no tÃtulo original); mas mesmo aos trancos e barrancos Mendes vai criando seu próprio estilo de filmar, revela-se um autor identificável e amadurece suas formas cinematográficas que podem interessar o observador mais empenhado.
ExtraÃdo dum romance homônimo em inglês do norte-americano Richard Yates, cujo parentesco com a ficção do clássico americano F. Scott Fitzgerald tem sido apontada, a narrativa de Mendes não esconde seu sinuoso e nostalgicamente familiar espÃrito fitzgeraldiano, bem mais do que O curioso caso de Benjamin Button (2008), que o diretor americano David Fincher buscou num conto de Fitzgerald. Ao contrário do que ocorria em seus dois trabalhos anteriores, Mendes agora abdica da primeira pessoa narrativa; Beleza americana era contado por um morto e Estrada para perdição era costurado pela voz-over do filho do gângster, mas em Foi apenas um sonho deixa suas pobres personagens mantidas à distância pelo narrador neutro que é uma câmara ali entre uma frieza estudada e as convenções banais do cinema americano.
Em Foi apenas um sonho há um pouco duma crônica familiar meio fácil e rasa feita com um pouco mais de autoria do que o habitual em Hollywood. A ambientação é uma famÃlia de classe média do subúrbio americano nos anos 50, especificamente o ano de 1955. Frank e April Wheeler formam o casal comum, vida boa e sem horizontes maiores, dois filhos, mas que um belo dia são tocados pela fantasia: largar tudo e ir morar em Paris. As neuroses de April e as inseguranças de Frank se dilaceram morro abaixo no curso do casamento, que tem uma briga sombria e irresolvÃvel ou doentia no inÃcio e outra no fim. O esforço de Mendes para sair do simples estrelato de filmar e materializar-se num bom filme crÃtico é evidente; este esforço topa correspondência na dupla de atores centrais, Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, que desde o sucesso comercial de Titanic (1997), de James Cameron, pretendem escapar ao gueto de estrelas vazias e dar densidade a suas interpretações. Em parte esta densidade dramática acontece, no filme e nos intérpretes; mas só em parte, porque o barulho emocional da trama e das expressões evitam o verdadeiro aprofundamento que o cinema de Mendes promete mas ainda não chegou lá. (Eron Fagundes)
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É o primeiro reencontro de Leonardo DiCaprio com Kate Winslet, e o primeiro filme onde ela é dirigida por seu marido, Sam Mendes (Oscar® por Beleza Americana). Nem por isso muita coisa mudou: Leo emagreceu, e continua a parecer jovem demais diante dela, que o devora na tela.
O filme também deverá ser um fracasso e decepção, já que não vai agradar ao público comum. É trágico, indigesto, pessimista, e nem dá uma boa catarse. Chorar pode, mas não como em Marley ou Sete Vidas. E dizem que o livro, que o inspirou, ainda é mais frio e distante. É verdade que tenho certo conhecimento dos anos 50, quando era pequeno mas via todos os filmes americanos de Douglas Sirk e companhia, que descreviam a época (Mendes não faz citações deles, o que é uma pena).
É a história de um rapaz (porque Di Caprio não tem cara ainda de homem adulto), que trabalha numa empresa e mora no subúrbio. Ele trai a esposa com uma secretária, casualmente (mas ela também o trairá, com um vizinho, da mesma forma). O fato é que são profundamente infelizes, sem saberem bem porque. Não gosto de onde moram, os filhos mal aparecem na história (aliás, uma falha grave a ausência dos filhos e dos parentes próximos; tem apenas alguns vizinhos, mas que servem de escada para diálogos e discussões).
Tudo melhora quando a esposa surge com a possibilidade de largarem tudo ali e se mudarem para Paris, sem razão aparente (não tem trabalho lá, vagamente falam em estudar, e porque ele estava lá durante a Guerra, outro assunto não explorado). Só que surge uma oferta melhor de emprego, e isso se diluiu no que será, afinal de contas, um beco sem saÃda.
Como a maior parte dos espectadores chafurda feliz, numa mediocridade contente, seria preciso ir um pouco mais fundo na análise da situação e dos personagens. A falta de empatia entre eles não ajuda, e não deve dar nem o tão esperado Oscar para Kate, sempre uma bela mulher, sempre boa atriz. Mas que espera ainda o grande papel.
Nem o marido conseguiu lhe entender e lhe dar o grande personagem. O problema é que, a vida ensina que quando isso sucede, o casamento não costuma durar. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 2 de fevereiro de 2009)