Crítica sobre o filme "Era Uma Vez...":

Rubens Ewald Filho
Era Uma Vez... Por Rubens Ewald Filho
| Data: 22/04/2009

Não parecia uma idéia promissora, fazer mais uma adaptação de Romeu e Julieta, de William Shakespeare (principalmente porque teve outra, este ano, que foi um desastre: Maré, Nossa História de Amor, de Lucia Murat). E, mesmo porque, tudo cheirava a óbvio: a menina rica de Ipanema, que se envolve com o rapaz pobre, da favela do Morro do Canta Galo. Naturalmente um bom caráter, bom coração, de boa aparência. E claro que a família dela (apenas um pai em crise econômica) seria contra. Ou seja, o pior clichê de todos. Miraculosamente, houve um diferencial: o talento do diretor Breno Silveira, em seu primeiro filme desde o megasucesso de Os Dois Filhos de Francisco.

É graças à sua habilidade como contador de histórias, que a gente embarca nessa história, torcendo e se envolvendo, até mesmo se emocionando. Principalmente com a conclusão, onde deixa claro que o filme, no fundo, é também a história do rapaz Thiago Martins (revelado em Cidade de Deus, esteve na novela Belíssima, de Silvio de Abreu). Como o protagonista Dé, ele mora no morro (até hoje), perdeu um irmão para o tráfico, o outro foi baleado, o pai os abandonou. O que torna mais convincente a mensagem, de olhar com mais atenção para os outros, que estão do seu lado e nem se nota.

E olha que nem sempre o roteiro ajudou (custa um pouco a começar, com bastante tempo de exposição, não aprofunda os personagens, em particular o da Julieta, Nina), nem o elenco é perfeito (Paulo César Grande não tem fôlego para uma grande criação dramática, mas é salutar ver, ao menos, a tentativa do pai em compreender a filha; e o ex-namorado é muito fraco). Isso é compensado pela sinceridade de Thiago e o olhar meigo de Nina (Vitória Frate), e toda a narrativa que não foge da tragédia.
Dé trabalha numa barraca de lanches, em frente ao apartamento de Nina na Vieira Souto e, de longe, observa a moça, até um dia ter a chance de salvá-la de um ataque de moleques. Começa mentindo para ela, mas logo a verdade se descobre, mas aí os dois já estão apaixonados e dispostos a tudo. Quem tem papel mais marcante no filme é Rocco Pitanga, irmão de Camila e filho de Antonio Pitanga, que é um excelente ator, e tem um personagem com arco, ou seja, começa de um jeito e se transforma ao sair da prisão noutra coisa, até virar o chefão do morro. É um ator carismático, que o filme deveria, por justiça, transformar em astro.

Se o final parece um pouco manipulado, nem por isso esta fábula bem intencionada não deixa de nos tocar, passar sua mensagem contra a violência, o absurdo do abismo social entre as classes, e o beco sem saída que parece caminhar o conflito carioca e, por extensão, brasileiro.

Utilizando sambas e funk e a impecável paisagem carioca, Breno é um diretor muito hábil e talentoso. Tomara que este seu Era Uma Vez... encontre o público que merece. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 1 de agosto de2008)

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O cineasta brasileiro Breno Silveira sabe comunicar-se com o público pela imposição da estrutura melodramática da emoção cinematográfica. Era uma vez ... (2008), seu segundo filme, é uma nova amostra de sua afeição ao melodrama de cunho social. Aquilo que tornava 2 filhos de Francisco (2005), o maior sucesso comercial do cinema brasileiro nos últimos trinta anos, uma obra de passagem, volta a aparecer em Era uma vez... de maneira mais precária e constrangedora, embora deva tocar o coração das platéias educadas pelos cacoetes formais e temáticos das telenovelas nacionais, especialmente aquelas da rede televisiva majoritária.

Apesar de ter entre seus colaboradores o escritor Paulo Lins, do romance Cidade de Deus (1997), (o que dá uma grande veracidade aos episódios que envolvem a favela, pois Lins é um estudioso sério do assunto), e o cineasta Domingos de Oliveira (o que encaminha para uma narrativa razoavelmente bem feita em termos visuais), Era uma vez... se vai perdendo ao longo do caminho, simplificando os conflitos sociais, reduzindo tudo a uma questão amorosa e desarticulando-se formalmente para chegar a seu inevitável final cruel que deve inesperadamente chocar os assistentes de telenovelas mas não move suas consciências políticas — é alienação pura, entretenimento para a classe média, enquanto o morro de fato se desmorona na realidade caindo sobre as belas praias do Rio.

O fenômeno de pasteurização das questões sociais é alarmante no cinema, e mesmo bons filmes como Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, e Linha de passe (2008), de Walter Salles, não se isentam do problema; em Era uma vez... esta pasteurização se acentua, em face de seus compromissos com o público da televisão. Há uma certa falta de jeito do par central, Thiago Martins (ator criado na favela) e Vitória Frate (em seu primeiro papel no cinema, lembrando um pouco a loirice “lagoa azul†de Amanda Seyfried em Mamma mia, 2008, de Phyllida Lloyd) e pior ainda é o contraste destas interpretações um tanto amadorísticas com o profissionalismo exacerbado de Rocco Pitanga; mas isto, imagino, não deve incomodar o público da televisão.

Estereotipado na maneira como põe em cena as diferenças das classes sociais, Era uma vez... permite avaliar, talvez, no momento, os limites do cinema de Breno Silveira, ou ao menos os limites que ele se estabelece. (Eron Fagundes)