O filme assume seu tom polêmico desde o inÃcio, com a interessante cena dos olhares perversos e curiosos de Abel sob o casal no dia da chegada deles. E demarca o território de que por trás daqueles olhos residiam uma pessoa equivocada e com uma assombração escondida através da “janela da almaâ€. Samuel L. Jackson (Evidências de um Crime), em um papel surpreendentemente consistente, evoca a força que exibiu em “O Resgate de um Campeão†e deixa para trás a canastrice de “Jumper†para compor um intenso personagem de uma forma muito densa. Seu personagem encontra o equilÃbrio perfeito entre o próprio tormento e a angústia sacal que decide empregar na vida de duas pessoas que foram para o lugar errado na hora errada. E o personagem de Jackson é o motriz do filme por ser o centro da fascinação. Suas escolhas e seus atos baseiam na sua consciência fragilizada por tragédias e reprimidas por medo e vergonha. Numa vida usualmente viciada no poder – seja nas ruas ou em casa – e o prazer inescrupuloso de se sentir no poder de vidas.
Ao lado de Jackson, uma ótima atuação do sempre versátil Patrick Wilson (Wacthmen – O Filme), que constrói seu personagem falho com uma vulnerabilidade admirável e uma consistência convincente. Sua par, Kerry Washington (A Garota Morta), não está mais do que adequada, mas convence o suficiente. O filme em si é sobre os três personagens e estes três atores, e a tensão fervilhante que se manifesta entre eles ao passo que os tormentos de Abel Turner o atingem no vulnerável, ameaçando a própria união do casal. Todo esse fervor incita o entretenimento e o filme é ótimo neste aspecto. Mas o incitamento se carrega quando as doses de exagero e escolhas desnecessárias começam a pontuar diversos momentos da narrativa. E então o roteiro não consegue se esquivar de clichês e cenas usuais. LaBute, porém, nunca nos perde a atenção e o interesse está sempre à beira dos nervos. É seu triunfo. Criar um painel de personagens, emoções e temas sociais que nos intrigam. O preconceito racial não é tratado de forma tendenciosa e na maioria das vezes as cenas envolvendo tal elemento e o poder do uniforme azul são maduras. É isso que faz de “O Vizinho†mais do que simples e unidimensional entretenimento, mesmo que tende a cair constantemente em armadilhas do gênero, ora simplista.
O filme é, portanto, uma recomendação justa e acertada. Um suspense carregado de virtudes maiores que seus defeitos. E é lamentável que tenha sido lançado diretamente nas locadoras no Brasil, mesmo tendo atores reconhecidos em seu elenco e uma premissa bastante intrigante. Merece ser descoberto pelos temas que traz a tona, pelo elenco afiado e as discussões interessantes que podem originar diante de seus levantamentos morais e emocionais. É um entretenimento interessante. Um filme equilibrado sobre um temor casual na sociedade de hoje que merece ser dialogado. O nome original do filme, por exemplo, é uma menção ao espancamento de Rodney King em 1991 pela polÃcia de Los Angeles no bairro chamado Lakeview Terrace. O nome dele é mencionado no filme ao sua famosa fala “Será que não podemos todos nos entender?†ser citada pelo personagem de Chris. São escolhas interessantes como esta, e do desflorestamento, que o filme vinga seus defeitos tão bem. Durante a metragem, somos ora informados sobre um incêndio florestal perto da vizinhança e, conforme o relacionamento hostil entre o casal e o policial se torna mais e mais perigoso, o incêndio chega mais e mais perto da vizinhança, culminando em um ato final que, embora de certa forma covarde, nos deixa satisfeitos sob nÃveis especÃficos. O utilizo do incêndio para caracterizar o relacionamento dos personagens é inteligente, e LaBute merece seu reconhecimento. Seu filme poderia ser indubitavelmente melhor, mas possui virtudes o suficiente para funcionar sob muitos nÃveis. (Wally Soares – confira o blog Cine Vita)