Crítica sobre o filme "Desafinados, Os":

Rubens Ewald Filho
Desafinados, Os Por Rubens Ewald Filho
| Data: 30/01/2009

Ao contrário do que dizem, Os desafinados (2008), de Walter Lima Jr., não trata da bossa nova; este movimento ou impulso musical brasileiro é tão-somente um dos elementos em torno dos quais se estrutura a linguagem cinematográfica de Lima Jr. A bossa nova está ali como elemento de época para compor um estilo de filmar, como está ali  um característico cineasta do Cinema Novo (que faz um violento e perigoso filme agrário que inquieta os censores nacionais mas, indo ao exterior por uma cópia contrabandeada por aeroporto, ganha prêmios internacionais incômodos para o regime autoritário vigente) e como também está ali o golpe militar de direita de 1964; o que Lima Jr. Busca costurar em cena, desconstruindo um pouco nosso olhar guiado por narrativas mais convencionais, é o retrato de uma geração de brasileiros, a sua geração, a geração de Lima Jr. que foi jovem nos anos 60, que curtiu a bossa nova, o Cinema Novo, enfrentou os milicos, agrupou-se em volta de amigos. Nem sempre Lima Jr. logra manter a integridade de sua costura, mas o resultado final é interessante e toca o espectador, talvez mais o espectador que tenha vivido aqueles anos. Há um pouco de torta e melodramática nostalgia em Os desafinados, mas isto não desestrutura seus pontos críticos.

O elenco é diverso, colorido e funciona maravilhosamente. Houve quem reclamasse do fato de Claúdia Abreu ser dublada quando canta. E mais ainda se queixaram de a voz de Selton Mello servir ao ator Arthur Kohl, que vive a personagem de Selton (o diretor de cinema Dico) quando madurão, no presente rememorativo. Balela. Não há estranheza nem desleixo dramático nestas soluções de Lima JT. São formas curiosas e pessoais de interferir auditivamente no processo do imaginário visual. Cuido que os que gritam contra se revestem dos preconceitos naturalistas de filmar.

É sempre marcante a maneira como Lima Jr. utiliza seus atores. Selton está um intelectual galopante e trivial. Santoro é o garoto ingênuo e puro sentimento. Cláudia arrebata por uma energia secreta às vezes. E Alessandra Negrini é exigida por Lima Jr. num desempenho bastante mais discreto que aquelas exuberâncias barrocas que dela extraiu outro cineasta brasileiro, Júlio Bressane, em Cleópatra (2007).

Enfim, devo declarar que nunca morri de amores pelo cinema praticado por Lima Jr., mas Os desafinados é um ponto de maturidade do cineasta que me cativou e devo atribuir a má vontade com que foi recebido por certos setores da crítica a este provocativo desafinar cinematográfico que o realizador executa com criatividade nem sempre muito bem compreendido por boa parte dos observadores. (Eron Fagundes)

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Não é exatamente o filme tão esperado e definitivo sobre a Bossa Nova que poderia estar se esperando. Aliás, não foi feito pensando na comemoração dos 50 anos, mas como uma lembrança afetiva do diretor Walter Lima Jr. (que se retratou com humor na figura do futuro cineasta feito por Selton Mello).
Talvez seja um pouco longo, o roteiro poderia ser mais intenso, os conflitos mais desenhados, o ritmo mais acentuado. Mas não consigo deixar de gostar do filme, entre outras razões porque, de certa maneira, conta a história de uma geração da qual eu fiz parte. E me comovi, especialmente na cena final, em que o título do filme fica justificado.

O bom astral do filme é justificado pela trilha musical excelente de Wagner Tiso, pelo ótimo e afetuoso elenco, e o cuidado na direção. Para quem não sabe, Walter pertence à melhor geração do Cinema Novo, foi cunhado de Glauber Rocha e responsável por clássicos como Menino de Engenho (1965) e Brasil ano 2000 (1969).

Ele misturou fatos reais (como a ida de um grupo dos brasileiros em 1962 para apresentar a Bossa Nova no lendário Carnegie Hall de Nova York) para inventar um grupo musical contemporâneo que deseja ir para lá para tentar a sorte. Ele enfeiou Rodrigo Santoro (que canta bem com sua própria voz) que se une a Jairzinho (filho de Jair Rodrigues), André Moraes (filho do cineasta Geraldo Moraes), e o subestimado e sempre confiável Ângelo Paes Leme. Todos eles vão tentar a sorte e têm destinos diferentes: o mais curioso é o de Rodrigo (como Joaquim) que, apesar de bem casado, se apaixona por uma brasileira que vive nos EUA (a ótima atriz Claudia Abreu, dublada nas canções pela filha do diretor). Outro detalhe curioso: é que a produção comprou dos americanos, cenas de arquivo de filmes da época, mostrando a cidade de Nova York (o que funciona muito bem).

Na parte final, o filme dá uma modificada no tom, Joaquim que até então lembrava Tom Jobim, vira um pouco Tenório Jr. (músico brasileiro que sumiu em Buenos Aires, preso pela Repressão da Ditadura militar).

Delicado, gentil, romântico, quase nostálgico, Os Desafinados é um filme sem pretensão e nisso reside parte do seu encanto. Outra parte é a presença dos famosos astros brasileiros, em particular Selton Mello (discreto, mas nem por isso deixa de fazer uma autosátira do diretor cinemanovista). (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 31 de agosto de 2008)