Seria extremamente clichê introduzir meu texto de WallE falando sobre o legado excepcional da Pixar no cinema e sua contribuição irreal ao mundo cinematográfico, mas é a mais verdadeira constatação. A melhor animação do estúdio (e na minha opinião, a melhor produzida em todos os tempos) chega em um tempo onde o aquecimento global está no foco das notícias e parecemos estar à beira de uma guerra ao mesmo tempo em que ficamos mais e mais integrados tecnologicamente. Cheia de urgência, o filme sobre o pequeno, ingênuo e adorável robô chamado WallE traz consigo uma aura adulta impressionante. Foi-se o tempo inocente das animações maravilhosas da Disney que falavam apenas sobre questões morais, sobre amor e amizade. O filme do ótimo Andrew Stanton (o mesmo diretor do excepcional Procurando Nemo), abre com uma imagem perturbadora sobre um mundo fantasma, onde o acúmulo de lixo tornou-se maior até mesmo que os mais altos arranha-céus. O cenário remoto e triste marca, faz pensar e depois te assombra. Não exatamente pela animação visual fantástica, mas pela urgência. Pelo realismo e sim, pela genialidade, ao vermos surgir, naquele meio imundo, uma máquina que é muito mais do que fazemos dela.
Se em 2001 - Uma Odisséia no Espaço tínhamos uma máquina robotizada que começa aos poucos a pensar por si própria, porque não podemos ter uma máquina que começa a sentir por si mesma? WallE vem de influências diretas de Chaplin, e nos remete nostalgicamente a um cinema não de diálogos tolos ou ação desenfreada, mas humor sincero e fantástica visual. Ele surge como um ser amável e logo nos primeiros minutos do filme (todos sem diálogos, por sinal), nos vemos aos poucos nos apaixonando pelo robô. E, ao surgir à misteriosa Eva, vemos desencadear um sentimento humano cada vez mais escasso nos humanos: o amor. E é estranho, quase irônico, vermos tal sentimento ser transmitido por uma máquina, que se junta à tristeza de um mundo habitado por lixo e não gente. E tudo aquilo nos enche de prazer e fascinação, assistir adoravelmente e confortavelmente o aflorar de uma clássica história de amor entre duas máquinas em um lugar desolado e aterrorizante. O humor domina, a paixão contagia e cada plano do filme nos toca com uma extrema sensibilidade. Seja a trilha sonora maravilhosa de Thomas Newman, sempre genial, ou o visual simplesmente brilhante em todos os sentidos, detalhista, significativo, vibrante e apaixonante.
O cineasta quer nos comunicar de como ainda pode existir humanidade e principalmente amor nos lugares mais improváveis. E isso se torna mais grandioso quando nós embarcamos para conhecermos o nós de amanha: obesos, ignorantes, tolos e degenerados. O futuro da humanidade é o retrocesso. Não mais andamos, nos comunicamos não diretamente, mas via tecnologia e tudo que precisamos surge magicamente em nossas mãos. É a reposta dos desejos industriais e tecnológicos de hoje, mas não a resposta de nossos simples desejos e sentimentos humanos. WallE acaba nos remetendo, por isso, ao genial filme de Stanley Kubrick, que possuía um comentário sobre a humanidade tão assombradora. E vermos aquela tese e idéia que um cineasta criou há 40 anos se tornar cada vez mais próxima da realidade fascina e também amedronta. A maravilhosa animação da Pixar chegou para nos comunicar isso e, de certa forma, oferecer uma resposta à 2001″. O filme, portanto, é de uma complexidade assustadora. Emblemático em suas analogias, referências e comentários sociais e humanos extremamente especiais, vamos aos poucos caindo sobre a magia esplêndida de todo o espetáculo grandioso.
É refrescante constatar que no meio de tantas animações desmoralizantes e vergonhosas como O Segredo dos Animais, possa surgir uma obra-prima tão melancólica, bela e resplandecente como essa, que comunica milhões de palavras e sentimentos, carregada de uma irretocável atmosfera de cinema genuíno. Alias, o filme é para nos lembrar do que realmente se trata a sétima arte. É algo que vai além do óbvio e do mero divertimento fácil, é sobre amor. Nós, que somos apaixonados por essa arte tão subjugada hoje em dia, não conseguimos conter o brilho nos olhos ao chegar ao fim de um filme tão arrebatador em sua beleza e em seu espírito. Difícil também é tirar o sorriso do rosto ou as lágrimas dos olhos ao testemunharmos a saga de WallE e de sua amada Eve, a começar pela dança desde já clássica do casal pelo espaço, até a última redenção da humanidade quebrada pela simples tragédia do irreparável. O que precisamos saber é que nada é irreparável. Até mesmo o mundo ou nossos sentimentos intactos de seres humanos. Precisamos começar a olhar para dentro de nós e precisamos começar a sentir. Uma dica: não só veja WallE, sinta-o e, como eu, se apaixone por ele.