Crítica sobre o filme "Apenas Uma Vez":

Rubens Ewald Filho
Apenas Uma Vez Por Rubens Ewald Filho
| Data: 23/08/2008

Felizmente ainda acontecem milagres. Este é um pequeno filme irlandês, com desconhecidos, que foi descoberto pelos críticos americanos, acabou virando cult, e ganhou um inesperado, mas merecido Oscar® de Melhor Canção (Falling Slowly, embora ela seja uma das várias interpretadas durante o filme, e não necessariamente a melhor). A razão do sucesso é fácil de explicar: o filme é encantador, simpático, bom de se ver. E extraordinariamente simples.

É a história parcialmente autobiográfica do diretor John Carney que, de certa maneira, recriou a Dublin de 15 anos antes (quando era mais operária); ele era membro da banda The Frames, que era justamente liderada por Glen Hansard, que é o protagonista do filme. Nessa época, o diretor mantinha um relacionamento a longa distância com a namorada, que morava em Londres (e é ela, justamente, que aparece na cena de flashback).

O título original se refere também a todos aqueles que arranjam desculpas, que antes têm que resolver tal e tal coisa, adiam demais a resolução, e acabam perdendo a chance de terem uma carreira. Once é descrito pelo diretor como um ‘art house musical’. Ele foi descoberto em Sundance onde ganhou o prêmio World Audience Award. Rodado em apenas 17 dias, com atores não profissionais (a dupla central, que também são os compositores, afirma não ter a menor intenção de prosseguir como atores), o filme foi adotado por Bob Dylan (que fez a dupla abrir seus shows na turnê mundial, e eles também cantam em Eu Não Estou Lá). O notável é como a gente pode se envolver com uma história tão banal, tão pequena, sem qualquer pretensão.

O herói, chamado apenas Cara (Guy), é um músico de rua de Dublin, que fica conhecendo por acaso uma moça (que também fica sem nome), imigrante tcheca (ao contrário do personagem, Marketa passou metade de sua vida na Irlanda, e tem uma relação antiga com Glen). Os dois conversam, cantam juntos, vão se entrosando (uma pergunta-chave ela responde em tcheco, e não traduz!), e é praticamente só isso que sucede. Mas sempre com charme, naturalidade e encantamento. Como deu certo, francamente é difícil de entender. Mas é um prazer de se ver.

PS: do diretor John Carney vimos Clube dos Suicidas (On the Edge - 2001), com Cillian Murphy, que, aliás, por uns tempos, esteve cotado para fazer o papel central daqui. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 28 de abril de 2008)

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Apenas uma vez (Once; 2006), filme irlandês dirigido por John Carney, tem lá seus problemas em manipular as associações entre cinema e música, às vezes sobressai e logo se esvai na elasticidade sonora porque o cinema mesmo parece ser esquecido por Carney, cujo encantamento pelas canções singelas e divagantes não tem o estofo que o norte-americano Martin Scorsese empresta à visão fílmica da musicalidade em Shine a light (2008). Mesmo assim, mesmo sem ter uma presença forte em nossa retina, Apenas uma vez não deixa de ter seu envolvimento com o espectador; é uma emotividade em tom mínimo, mas tem sua carga de interesse.

Excetuando-se os filmes de Neil Jordan, cineasta já consagrado internacionalmente, o cinema irlandês é desconhecido por aqui e, como ocorre com todos os cinemas de língua inglesa, corre o risco de submergir ao ser confundido com o majoritário cinema americano. Daí outro dado que pode levar o observador a valorizar uma película discreta e bem feita como Apenas uma vez.

O filme trata de um músico de rua que, para sobreviver, ajuda seu pai numa loja que conserta aspiradores de pó. É curioso que no romance Casei com um comunista (1998), do escritor norte-americano Philip Roth, um artista (no ano, um escritor), logo depois que perdeu seu emprego de professor universitário em face de perseguição por acusação de comunista, se entrega a uma atividade assemelhada, vender aspiradores de pó. Teria Carney lido o livro de Roth?

Um belo dia o músico topa com uma jovem imigrante tcheca, que vive com uma mãe, tem uma pequena filha e é casada com um homem mais velho. O músico tem sua amada em Londres, amada que o magoou certa vez. O desenvolvimento do filme segue o amor platônico do músico e da jovem tcheca com comovente sensibilidade e interesse. E as canções se entranham tensa e nervosamente na narrativa.

Apesar de seu final levemente melancólico, Apenas uma vez é um hino a este tipo de amor entre um homem e uma mulher que permanece dentro da cerca espiritual em face das hesitações carnais. (Eron Fagundes)