Crítica sobre o filme "Charada em Veneza":

Eron Duarte Fagundes
Charada em Veneza Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 13/08/2008
Conheço poucos filmes do diretor norte-americano Joseph L. Mankiewicz. Do pouco que vi, me vem a fugidia impressão de que se trata de um cineasta super-estimado, embora considere A malvada (1950) como um grande filme, mas A condessa descalça (1954) tem a correção de estilo mas não transcende e Ninho de cobras (1970) era uma realização decadente. Nunca vi Cleópatra (1963), sua polêmica e combatida super-produção.

Costumam chamar a Mankiewicz cineasta da palavra, por muitas vezes manter a ação na boca das personagens, nos diálogos. Mas este conceito não explica nada de um diretor de cinema. Cineastas franceses como Eric Rohmer e Alain Resnais são cineastas da palavra. E cineasta que exacerba na utilização literária da palavra é o português Manoel de Oliveira. Mas pensar a partir disto que estes quatro realizadores possam ter algo em comum por este detalhe de conceito, é uma fantasia crítica que não resiste à visão de seus filmes. É preciso estabelecer como Mankiewicz constrói seus diálogos, é um jeito bem anglo-saxônico, sem o tipo de sutileza francesa ou a altissonância lusitana, uma poesia específica. É necessário igualmente ver como Mankiewicz insere a palavra no meio da linguagem cinematográfica, como ela vai teatralizando, nos mesmos moldes anglo-saxônicos em que foi construída sua sintaxe, os elementos de cenário e interpretação barrocos característicos do cineasta.

Esta introdução ensaística para o cinema de Mankiewicz é para delimitar o espaço de Charada em Veneza (The honey pot; 1967), objeto deste texto e agora lançado em DVD. A inspiração do roteiro de Mankiewicz é a peça Volpone, escrita em 1606 pelo inglês Ben Johnson; na abertura de Charada em Veneza vemos uma breve cena da peça, onde Volpone, um nobre veneziano, chama por Mosca, seu servo. Depois o que Mankiewicz passa a acompanhar é a trajetória de Cecil Fox, um milionário do século XX que vive num palácio de Veneza com a cabeça no século XVII e fascinado pela figura de Volpone e sua época; as tramóias de três amantes de Cecil e de seu escudeiro William McFly são esmiuçadas pelo realizador buscando um paralelo anacrônico mas elegante como o mundo da peça de Johnson, o gosto inglês por crimes e reviravoltas, já identificado por um inglês de Hollywood, Alfred Hitchcock, se acumula faceiramente nas mãos de Mankiewicz via Johnson, um inglês.

Charada em Veneza tem a ostentação elegante do cinema de Mankiewicz, mas ainda e sempre não transborda de seu formalismo e de sua ironia às vezes pedante. Não deixa de ser um belo filme, especialmente pela utilização dos interiores do palácio (as filmagens de exteriores de Veneza são escassas e quando ocorrem parecem um pouco postiças e simuladas em estúdios), mas não serve de carta introdutória de Mankiewicz no panteão dos grandes do cinema americano. (Eron Fagundes)