Eu fico ansiosa toda vez que sai um filme novo de algum diretor que eu gosto. E faz muito tempo que eu gosto deste ser estranho chamado David Cronenberg, autor de
Crash – No Limite (não confunda com o vencedor do Oscar®, estou falando do anterior, de 1996, que recebeu o subtÃtulo no Brasil de
Estranhos Prazeres),
Spider, A History of Violence, entre outros. Por isso estava ansiosa para assistir a esse
Senhores do Crime, ainda mais que o diretor repete a parceria com Viggo Mortensen. Não sabia nada do filme antes de começar a assistÃ-lo. O que foi bom, porque se eu soubesse que ele ganhou o prêmio do público no Festival de Toronto antes, por exemplo, podia ter começado a vê-lo com ainda mais expectativas. E sem saber isso já comecei com esperanças de ver algo muito bom, tudo por culpa do diretor e, no final das contas, me decepcionei.
O que mais me surpreendeu nesse filme, negativamente, é que Cronenberg parece ter abandonado totalmente a sua ousadia, a sua loucura, a sua maneira diferente de fazer cinema. Achei o filme muito dentro dos padrões de Hollywood, muito “domesticadoâ€. Sem contar que achei o desenrolar da história arrastado e, quando vi o filme todo fiquei com aquela sensação de “isso poderia ter sido contado em meia horaâ€.
Não sei, mas um filme que quer contar os “bastidores†da máfia russa em Londres e como um imigrante pode ser sacaneado por um dos seus - o que realmente é o que acontece na maioria dos casos - poderia ser bem mais ousado. Poderia ter mais “caldoâ€, mais conteúdo. Mesmo os diálogos parecem meio vazios. Em momento algum eu realmente senti uma ameaça daqueles homens perigosos que se passam por pessoas comuns. Bem, talvez caracterizá-los tão bem como “cidadãos acima de qualquer suspeitaâ€, com seus códigos e condutas, seja algo positivo do filme. Mas o restante… fraquinho fraquinho.
O tema em si, o principal, que é a maneira com que a personagem de Tatiana saiu da Rússia para tentar uma vida melhor para, em seguida, ser explorada de todas as maneiras pela famÃlia de Semyon, é interessante. Pena que ficou perdido no meio de uma série de idéias secundárias, como a permanente “insinuação†de um romance entre os personagens de Anna e Nikolai, ou sobre o descontrole e a não-declarada homossexualidade de Kirill.
Mas para não dizer que o filme é pura chatice e perda de tempo, existem duas sequências que foram bem dirigidas e dão uma “alma†para a história: a primeira é quando Nikolai é convertido em um membro da famÃlia mafiosa - e até a cilada em que ele está caindo fica óbvia antes da hora devido a um roteiro fraquinho -, com direito a tatuagens, interrogatório e testes de conduta; e a segunda é a briga de Nikolai com dois assassinos mafiosos em uma sauna.
Eu não gosto muito dele, mas devo admitir que o francês Vicente Cassel está muito bem em seu papel, ainda que volta e meia ele repita seus trejeitos e “cacoetesâ€. Já Naomi Watts está normalzinha, nada demais. O roteiro do Sr. Steven Knight eu achei fraco, muito fraco. E a direção de Cronenberg, como eu disse antes, não se parece muito com ele.
Uma parte legal do filme é a questão das tatoos e de como elas contam a história da vida do criminoso na Rússia. Pena que o filme não se aprofunda muito nisso, não conta a história de ninguém através de suas tatoos. Seria uma experiência mais interessante, na minha opinião, do que perder muito tempo tentando “decidir†o destino do bebê da mãe morta, por exemplo.
(Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog CrÃtica (non)sense da 7Arte)
.
A desesperada violência que caracterizou as formas cinematográficas de 2007 no cinema americano tem em Senhores do crime (Eastern promises; 2007), o novo filme do canadense David Cronenberg, um ponto de estranha e inaudita excitação. Não chega a ter a depuração extremada atingida pelo realizador em Crash, estranhos prazeres (1996). Mas vai mais longe e inquieta mais que em Marcas da violência (2005), filme anterior de Cronenberg de que este Senhores do crime é uma espécie de irmão mais ousado.
A cena crucial da violência humana e artÃstica a que chegou Cronenberg neste filme é a que se dá numa sauna, quando o protagonista —nu, recebendo ferimentos em seu corpo exposto— enfrenta criminosos da máfia russa e os liquida; aquele momento em que a personagem crava uma faca no olho de seu adversário é desnorteante, perturbador. Cronenberg filma a violência com engenho e pessoalidade. Como sempre em Cronenberg, há uma atmosfera esquisita de violência na narrativa para além dos enfrentamentos fÃsicos. Apesar de tratar de gângsters e seres perigosos e ambÃguos, Senhores do crime não tem aquela feição linear de filme de gângster como Os donos da noite (2007), de James Gray, e O gângster (2007), de Ridley Scott; Senhores do crime é muito mais intensamente tortuoso que os aspectos de bem-feito americano que os filmes de Gray e Scott exibem na tela. É mais secreto. E mais transgressor. A máfia russa de Cronenberg em nada se parece com a máfia russa de Os donos da noite; os gângsters de Cronenberg são nada perceptÃveis à linearidade e estão mais próximos dos loucos russos pintados pela literatura de Fiódor M. Dostoievski. É uma violência que vem de regiões mais profundas que aquelas superfÃcies do habitual cinema americano.
Para a boa caracterização de seus seres, Cronenberg tirou tudo o que pôde de seu astro Viggo Mortensen. E Naomi Watts expõe com justeza a fragilidade-tenacidade de sua criatura. Mas o que me parece mais casar com as perturbações estranhas da narrativa de Cronenberg é a presença cênica do ator alemão Armin Mueller-Stahl, apreciado no passado em obras clássicas do cinema germânico, como Lola (1981), de Rainer Werner Fassbinder, e O ataque do presente contra o restante do tempo (1985), de Alexander Kluge; em Senhores do crime o ator faz um frio e amoral chefe mafioso russo que estuprou uma garota de quatorze anos e a engravidou; é o diário desesperado desta garota, recolhido pela enfermeira que a atendeu nos momentos finais (Naomi interpreta a enfermeira), quem vai costurar estoicamente o perambular de maldades que Senhores do crime apresenta.
Juntamente com Onde os fracos não têm vez (2007), de Joel e Ethan Coen, e Sangue negro (2007), de Paul Thomas Anderson, Senhores do crime é um dos trabalhos que melhor caracteriza a forma como a violência serviu à estética do cinema na safra mais recente de filmes americanos. (Eron Fagundes)