Crítica sobre o filme "Olho do Diabo, O":

Eron Duarte Fagundes
Olho do Diabo, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/06/2008
É entre os cenários do inferno e os da terra que se dão as ações dramáticas de O olho do diabo (Djavulens oga; 1960), um deste filmes do sueco Ingmar Bergman pouco referidos e pouco conhecidos porque há mais de quarenta anos (isto é, desde seu lançamento nos cinemas) não aportam nos cinemas brasileiros. O narrador-over de O olho do diabo aparece não somente com a voz mas ainda com o corpo do ator Gunnar Bjornstrand; é ele quem introduz os atos teatrais em que se divide a narrativa; este narrador define o filme como uma comédia, assim como o narrador-over (só voz) de Uma lição de amor (1954) também tendia a chamar comédia o que se passava na tela. Os tons cômicos agridoces da maneira fílmica de Bergman nos anos 50 começaria a modificar-se a partir da trilogia do silêncio que veio logo depois de O olho do diabo; esta trilogia é formada pelos austeros Através do espelho (1961), Luz de inverno (1962) e O silêncio (1962), que fariam com o passar dos anos o ranger de dentes bergmaniano cada vez mais assustador.

O olho do diabo abre com a epígrafe de um provérbio atribuído aos irlandeses: “A castidade de uma jovem é responsável por um terçol no olho do diabo.†O olho do diabo é um dos mais estáticos filmes de Bergman, aquele onde as origens teatrais e literárias do cinema de Bergman mais problematizam a assimilação do público; falei acima em “ações dramáticasâ€, mas o mais ajustado seria aludir a “reflexões sobre gestos dramáticos das personagensâ€. O olho do diabo é, como O sétimo selo (1956), uma nova parábola metafísica do cineasta; e reflete, como no filme anterior dele, A fonte da donzela (1959), as inquietações do realizador para com a inocência sexual da mulher. Em O olho do diabo há um pacto no inferno entre o Diabo e dois de seus agentes (um deles é Pablo, o outro é Don Juan) para seduzirem a esposa e a filha virgem de um chefe de família; a ação das tentações carnais no meio da religiosidade da família de um pastor sueco é o que propõe Bergman em seu enxuto conto cinematográfico.

A estaticidade rigorosa de O olho do diabo aproxima Bergman de outro mestre do cinema do espírito, o francês Robert Bresson. Talvez esta estaticidade absoluta, de transformação do cinema num ente de filosofia só tope momentos assemelhados na filmografia de Bergman em Da vida de marionetes (1980) e Depois do ensaio (1984).

Mas O olho do diabo, preso àquela época bergmaniana, se situa mais no conto moral explícito de que Uma lição de amor é outro exemplar. Se Uma lição de amor quer apaziguar o inferno conjugal que tantos terçóis tem causado no olho do cineasta ao longo dos anos, O olho do diabo estabelece o improvável pacto entre o céu e o inferno: a donzela não cedeu a Don Juan, porém não lhe negou um beijo cuja ferida vai aparecer nos lábios dela na noite de núpcias. (Eron Fagundes)