Buscando inspiração para seu roteiro num poema épico anglo-saxão arcaico (o texto data das proximidades do ano 740 d.C.), o realizador norte-americano Robert Zemeckis, em A lenda de Beowulf (Beowulf; 2007), avança para um cinema tecnologicamente avançado, onde a invenção visual pode ser ilimitada graças às possibilidades de utilização do universo do computador na sétima arte. É claro que Zemeckis só não avança mais para não cair no experimentalismo, em função de seus compromissos comerciais: ele não é o cineasta britânico Peter Greenaway. Mas em A lenda de Beowulf Zemeckis roda provavelmente seu filme mais criativo, mais forte.
É curioso observar que a lenda saxônica tem certas semelhanças com as aventuras francesas medievais da Távola Redonda: se o rei Arthur dos franceses teve um filho sinistro com sua meia-irmã Morgana e este filho traz perturbações ao reino de Camelot, o rei Hrothgar dos saxões fez amor com uma bruxa e gerou seu filho Grendel, um monstrengo que põe constantemente seu povo em polvorosa; assim como o lutador Lancelot tem uma paixão perigosa pela esposa de Arthur, a rainha Guinevere, o guerreiro Beowulf apresenta desde o começo atração pela rainha vivida por Robin Wright Penn. Assim, o filme de Zemeckis acaba prestando tributo a um dos maiores eventos da cinematografia de aventura, Excalibur (1981), do inglês John Boorman, que tratava do reino de Camelot na França antiga. É claro que Boorman é mais agudamente crÃtico em sua visão duma fantasia sombria. Zemeckis não perde inteiramente a visão crÃtica, mas, assim como acontecia nos antigos espetáculos de seu patrÃcio Steven Spielberg, se deslumbra com a tecnologia fÃlmica e investe quase tudo neste processo. De qualquer maneira, não há como deixar de se fascinar com as metamorfoses de caligrafia computadorizada que Zemeckis impõe à s breves e marcantes aparições de Angelina Jolie como a feiticeira má ao longo do filme; Jolie, assustadora e distante entre os trechos do filme, me lembra um pouco aquelas inserções de Marlon Brando murmurando “horror! horror!†em Apocalypse now (1979), do norte-americano Francis Ford Coppola. A criação de computador mais alterada parece ser a do monstro Grandel a partir do ator Crispin Hellion Glover e sua perfomance parece bem mais contundentes que aquela de outro monstro de computador, o Gollum visto na saga A sociedade dos anéis (2000-2003), do neozelandês Peter Jackson.
Como no aludido Excalibur, em A lenda de Beowulf os tempos de deuses e heróis estão acabando para dar lugar ao tempo dos homens; antes disto, porém, é dado ao espectador vê-los em confronto, ainda que virtual e necessariamente heróico. (Eron Fagundes)
.Prevendo a crise do cinema, diante da pirataria e da evasão de público, o diretor Robert Zemeckis (De Volta para o Futuro e Náufrago) tem trabalhado, faz tempo, na pesquisa do cinema de animação, desenvolvendo trabalhos em que tenta coordenar a presença de atores com a liberdade do movimento por computadores. Foi assim que fez, há três anos, com O Expresso Polar, e prossegue agora com outro capÃtulo de uma saga que ainda não está finalizada. Nem tudo é perfeito: não conseguiram ainda resolver o problema dos olhos dos personagens na animação, que parecem sem vida, mortos (e até, por vezes, estrábicos). E o fato é que, vendo o filme, constatamos como é essencial o olhar humano na representação.
É a falha do filme. Por outro lado, principalmente para quem conseguir ver o filme em terceira dimensão (aperfeiçoada, com melhores óculos, já não dá tanta dor de cabeça e incômodo), este Beowulf aponta o caminho para uma alternativa. Telas gigantes (no Brasil ainda não temos o IMAX) e 3D, justamente o que você não pode ter em casa.
Antes de tudo é bom explicar que Beowulf é um filme de menino, mulher não vai gostar especialmente. Não vai se envolver com a ação, muito bem realizada, nem geralmente tem paixão pela técnica de animação (alguém conhece alguma diretora de animação?). No Brasil, não conhecemos o poema épico original - e arcaico - que o inspirou. Todos afirmam ser ele ilegÃvel, e foi o roteirista premiado de Pulp Fiction, Roger Avary, que teve a idéia da adaptação e acompanhou as filmagens.
Graças ao trabalho de Zemeckis um elenco ‘classe A‘ foi reunido, e se dispôs a posar para a captação de imagens (eram colocadas marcas nos atores para que os movimentos saÃssem perfeitos). O que permite maior liberdade: por exemplo, a nudez frontal de Angelina (permitida em desenho, mas não com a atriz ao vivo), e a nudez do herói (uma das coisas mais estranhas do filme é que se faz suspense com a nudez dele, escondendo sua visão frontal com objetos, brincando com o espectador que, na verdade, não deveria estar ligando para isso).
Liberdade também nas cenas de ação, que podem ocorrer no fundo do mar, contra monstros marinhos, ou em montanhas, contra demônios. A diferença de outros filmes do gênero é que Zemeckis é um grande cineasta, e sabe contar uma história, com grandes movimentos de câmera, enquadramentos certeiros, e sem deixar de ter o ocasional momento para destacar o efeito de 3D. A mudança mais chocante e inexplicável é a do ator inglês - gordo e maduro - Ray Winstone, que nada tem a ver com o tipo apolÃneo do filme.
De qualquer forma, a história funciona. Beowulf é um guerreiro aventureiro, que vem de outro reino para enfrentar o monstro Grendel (uma grande criação visual), que ataca o palácio do Rei Hrothgar. Logo descobrimos um segredo: Grendel, na verdade, é filho do rei com uma mulher-demônio (que não revelam o nome, feita por Angelina). E, mais uma vez, a história irá se repetir numa segunda parte, que corria o risco de ficar mais lenta não fosse um confronto final espetacular.
A história tem todos os elementos clássicos (outra vez, o homem bota tudo a perder pensando com o sexo), mas é a realização que impressiona e justifica o sucesso do filme no exterior.
Com Beowulf, eu vibrei, torci e vislumbrei um caminho para o futuro do cinema. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 10 de dezembro de 2007)