Alguns filmes apresentam uma intensidade narrativa que só pode ser explicada por um fator: quem conta a história tem conhecimento total de causa.
Santos e Demônios é um destes filmes. O nome original já tinha me chamado a atenção há algum tempo (“A Guide to Recognizing Your Saints) seria algo como “Um Guia para Reconhecer seus Santos”). O interessante do filme é que ele apresenta a força que tem porque é dirigido por Dito Montiel, o mesmo homem que escreveu o livro homônimo e que, como já era de se esperar, viveu tudo o que narra na tela.
Desde o princípio a técnica do diretor e roteirista, Dito Montiel, mostra que ele tem talento. E o melhor é que o filme só vai melhorando. O começo, em que aparece Robert Downey Jr. fumando e lendo parte de seu livro, é brilhante. Assim como a narrativa da vida do garoto em 1986, quando o ator Shia LaBeouf fala para a câmera que ele vai abandonar a todos que aparecem no filme. O roteiro realmente é muito bom. Gostei na mesma medida das intercaladas da “história real” do Queens anos 80, contando a vida de Dito, até a “revisão”, por assim dizer, desta história com ele adulto. Além disso, a técnica de utilizar uma ou outra vez o ator falando diretamente com a câmera ficou bem interessante. Diferente de outros filmes, esse recurso ficou perfeitamente casado com a história e não pareceu forçado. O mesmo com o uso das músicas… há pelo menos dois momentos chaves da história em que ela conta o sentimento do narrador e adianta o que vai acontecer ou, em outro sentido, une os vários personagens em uma mesma “aura”.
Fiquei impressionada também com o elenco. Não há, realmente, um ator ou atriz que destoem ou que esteja mal. Todos estão muito naturais em seus papéis - algo que parece mais “fácil” quando se tem talento mas, mais que isso, quando o roteiro é realmente verossímel - e imprimem uma força muito interessante ao filme. Mas o mais interessante do filme é que ele trata de muitos temas. Talvez os mais fortes sejam a amizade, o amor entre pais e filhos - e os problemas que derivam deste amor quando a comunicação é impossível de fluir entre as pessoas -, a busca por uma vida melhor, os laços que nos unem às pessoas, a culpa, o sentimento de pertencer a um lugar ou a um grupo, só para citar alguns.
O filme realmente marca por dois pontos: a relação de Dito com o pai e a sua dúvida em sair de casa para buscar algo melhor e deixar as pessoas que lhe configuravam como indivíduo para trás. No caso de Dito e o pai, o mais interessante na história é a falta de comunicação entre eles. É como se cada um falasse um idioma diferente. Monty está sempre dizendo o que sente sem que Dito lhe escute e Dito está sempre dizendo ao pai o que deseja, anseia e sente sem que Monty lhe escute. O que acontece com eles é quase asfixiante e tão real. Se isso não acontece entre um pai e um filho ou filha, pode acontecer entre uma mãe e um filho ou filha ou entre um marido e uma mulher… enfim. Mas acontece.
O outro tema, do quanto Dito se sente dividido e, no futuro, culpado por escolher o caminho de sair de perto das pessoas de quem gosta e se preocupa também é muito forte. Afinal, o que nos faz sermos o que somos? Muitas coisas, é claro. Mas algo muito forte são os laços de amizade e amor que construímos quando somos jovens, seja com família ou com amigos. E abandonar tudo isso para buscar uma vida melhor ou uma vida fora da loucura que achamos que nos rodeia é muito difícil.
(Alessandra Ogeda – confira mais detalhes no blog Crítica (non)sense da 7Arte)