Crítica sobre o filme "Identificação de Uma Mulher":

Eron Duarte Fagundes
Identificação de Uma Mulher Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 29/03/2008
Conhecer o humano a partir da alma das mulheres está na base do universo cinematográfico do italiano Michelangelo Antonioni. Identificação de uma mulher (Identificazione di uma donna; 1982), o antepenúltimo filme que ele realizou, é uma amostragem desta inquietação e perplexidade do artista Antonioni diante da fêmea humana. De uma certa maneira, o cineasta refaz certas coisas de A aventura (1959), um de seus filmes mais perfeitos: a aristocrata vivida por Daniela Silverio e que se relaciona com o diretor de cinema interpretado por Tomas Millian vai desaparecer sem dar razões na segunda metade do filme; uma das mulheres de A aventura desaparece no início da narrativa para nunca mais; em Identificação de uma mulher a personagem reaparece aos olhos mas está afastada do coração do homem que a procura.

Em Identificação de uma mulher há uma cena aguda no interior duma neblina em que se prenuncia o desaparecimento duma mulher. Ela chega a desaparecer por breves instantes, inquietando o homem. A tensão dos movimentos de câmara, a invisibilidade do cenário neblinoso, o deslocamento do carro na névoa com as criaturas angustiadas provocam o rigor plástico de Antonioni.

Identificação de uma mulher é também um dos mais densamente eróticos filmes de Antonioni. Há uma cena de amor entre Tomas Millian e Daniela Silverio debaixo dum lençol que é poesia visual pura como só Antonioni sabe fazer. Abandonado pela aristocrata, o diretor de cinema topa com a atriz interpretada por Chrstine Boisson e passa a colher idéias para um novo filme. O filme de Antonioni rastreia a alma de seu diretor de cinema enquanto se passa com ele esta crise de criatividade. Dizia-se na época de Identificação de uma mulher que esta crise era do próprio Antonioni, incapaz de realizar obras tão perfeitas quanto as que fizera até então; pode ser, mas Identificação de uma mulher é outra vez uma aula de decupagem do espaço fílmico por um mestre do cinema.

Nas últimas imagens da realização, o diretor de cinema criado por Antonioni sonha com o filme de ficção científica que lhe pedira seu pequeno sobrinho. Diz que uma astronave se aproxima do sol para ver de que matéria é feito o astro-rei e a partir daí entender o funcionamento do universo. Não é isto uma reflexão cósmica sobre as relações humanas? Não é o que sempre fez Antonioni, entender os mecanismos do universo estudando estes pequenos sóis que são os seres humanos?

No filme seguinte de Antonioni, Além das nuvens (1995), co-dirigido pela alemão Wim Wenders, um diretor de cinema viria outra vez para dentro do filme; John Malkovich vive este diretor, e o elenco de Além das nuvens é bastante melhor que o de Identificação de uma mulher. Eis um problema de Identificação de uma mulher: a falta de introspecção do elenco, que só o rigor de filmar de Antonioni logrou driblar. (Eron Fagundes)