Estou sempre reclamando do excesso de violência nos filmes de terror recentes. Como explicar então que tenha gostado tanto deste Mandando Bala, que é basicamente um filme de ação, que tem um tiroteio atrás do outro, das mais diversas formas e estilos (inclusive um deles, impagável, em que um casal está fazendo sexo enquanto vai eliminando os pistoleiros, e a mulher continua tendo orgasmo). É fácil explicar: o filme não é para ser levado a sério, é uma farsa, uma brincadeira, como se fosse um videogame, absolutamente delirante e inverossÃmil. Menos pretensioso do que os filmes de Tarantino, mais bem sucedido do que os de Robert Rodriguez (que tenta fazer coisa semelhante, mas raramente consegue acertar), Mandando Bala é uma grande farra, sem os exageros ofensivos de Sin City, nem a narrativa truncada daquele filme. Aqui a ação é cinemática, flui, envolve e faz vibrar (e sempre rir).
É como disse o critico Roger Ebert: os crÃticos reclamam quando o filme vai longe demais e cai em soluções duvidosas. Mas a gente só pode admirar quando ele vai realmente muito longe demais. Ultrapassa qualquer limite (e sem deixar cair a bola).
Nunca tinha prestado atenção antes no diretor inglês Michael Davis, que havia escrito e dirigido aquele interessante 100 Garotas (depois decepcionou, com o mais fraco 100 Mulheres). Mas ele faz um belo trabalho neste filme ultrajante, onde o herói é um certo Smith (um ideal Clive Owen), que está sentado, esperando um ônibus, quando passa uma grávida (Ramona Pringle) correndo e sendo perseguida por um bandido. Depois outros. Então, não lhe resta alternativa senão ajudá-la (alguma vez você viu um cara cortar um cordão umbilical com um tiro?). A história começa então a se complicar, quando a moça morre e ele tem que cuidar do bebê, com a ajuda de uma prostituta relutante que é ama de leite (a italiana Mônica Belucci, já mais envelhecida). Não adianta explicar muito a trama, que envolverá polÃticos corruptos, experiências genéticas e uma enormidade de gente morta (parece que a conta total é de 100), ainda que das formas mais originais, brilhantemente filmadas pelo chinês Peter Pau (de filmes de Ang Lee), impecavelmente editadas e com trilha musical adequada (brincando com o heavy metal). Haveria ainda outras cenas a comentar, sem esquecer a grande interpretação do filme, que é de Paul Giamatti, que se diverte muito fazendo um vilão (que funciona por intuição) irretocável. Ah, e o filme está cheio de frases espertas.
Estranhamente, apesar das criticas favoráveis, Mandando Bala não rendeu o que merecia nos cinemas (não passou dos 12 milhões de dólares). Talvez porque seu verdadeiro público esteja mesmo no home vÃdeo. (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 27 de outubro de 2007)