Crítica sobre o filme "Duas Vidas de Mattia Pascal, As":

Eron Duarte Fagundes
Duas Vidas de Mattia Pascal, As Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 27/02/2008
Distante dos tempos desabusados que marcaram sua fase de realismo social em obras como Os eternos desconhecidos (1958) e Os companheiros (1963), o cineasta-italiano Mario Monicelli apresenta uma certa solidez narrativa, rígida e uniforme, em As duas vidas de Mathia Pascal (Le due vite de Mathia Pascal; 1985); dividido em três partes e construído como um romance cinematográfico de feitura clássica, Mathia Pascal é uma livre e no entanto serena fantasia dramática de Monicelli que foge um pouco às facilidades cômicas do universo habitualmente manejado pelo diretor.

As duas vidas da personagem a que se refere o título do filme é o que ocorre durante sua vida pequeno-burguesa com complicações sentimentais e constituição de uma família (primeira vida) e depois (segunda vida), quando ele é dado por morto, e passa a construir uma nova identidade, antes de voltar no final a ser ele mesmo mas sem abdicar de sua excêntrica condição de morto. O filme é todo ele feito como se nascesse das histórias que o próprio Mathia conta a um conhecido, que põe no papel o que ouve. Monicelli põe no celulóide. Cada uma das partes da realização dura pouco mais de uma hora. A primeira parte debruça-se sobre a vida pequeno-burguesa de Mathia. A segunda parte vai surpreendê-lo em suas andanças pelos cassinos de Monte Carlo. A terceira parte vai vê-lo em sua tentativa de criar uma nova identidade. Monicelli fecha tudo com transparência, embora aqui e ali seus avanços narrativos pareçam mais acadêmicos do que nos pareciam nos anos 80.

Como trunfo do filme, outra interpretação notável de Marcello Mastroianni, habitual intérprete de Monicelli (Os eternos desconhecidos, Os companheiros, Casanova 70, este de 1964). E algumas belas mulheres européias. A italiana Laura Morante. A espanhola Laura del Sol, que trabalhou com o diretor espanhol Carlos Saura em filmes como Carmen (1983) e O amor bruxo (1986). E uma atriz nem tão bela, mas eficiente, Andrea Ferreol.

Mario Monicelli é um dos mais velhos diretores do cinema ainda em atividade (aproxima-se da idade do português Manoel de Oliveira, outro ancião da direção cinematográfica); e, embora seu nome não conste do panteão de gênios do cinema italiano (Michelangelo Antonioni, Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Valerio Zurlini), é um artista por considerar. (Eron Fagundes)