Crítica sobre o filme "Maldição da Flor Dourada, A":

Eron Duarte Fagundes
Maldição da Flor Dourada, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 04/02/2008
O chinês Zhang Yimou é um dos mais inventivos diretores de cinema da atualidade; a riqueza visual de seus filmes beira sempre o perigo duma estética pura e distanciada, mas o pulso sangüíneo de sua direção é tão forte que impede o incômodo e estéril formalismo, embora muitas vezes ele raspe estes conceitos. A maldição da flor dourada (Man cheng jin dai huang jin jia; 2006) é sua mais nova obra-prima e tem uma grandeza suntuosa de encenação que poderia remeter ao universo do dramaturgo inglês William Shakespeare, se não fosse tão minuciosamente oriental em sua arquitetura estilística. Como em Shakespeare, há o fascínio pela magnificência dos tronos imperiais e a lenta revelação de como a degradação familiar oculta debaixo do trono assoma perturbando a imponência das cores e dos sons dos poderosos. Na parte final da narrativa, quando as compotas de podridão da família real são abertas, o sangue mancha os belos cenários da realeza; mas na seqüência logo depois os crisântemos filmados em portentosos travellings tentam recuperar a dignidade do trono; são os magníficos contrastes visuais manipulados pelo filme de Yimou.

Em suas obras mais antigas, como O sorgo vermelho (1987), sua estrela Gong Li desfilando numa carruagem de época, Yimou tecia crônicas mais realistas da vida chinesa, mesmo quando se voltava para temas não contemporâneos. Foi em A história de Qiu Ju (1992), um de seus mais notáveis trabalhos, que o realizador atingiu sua dose mais aguda e exacerbante de realismo. Nos dois filmes anteriores a este atual, Herói (2002) e O clã das adagas voadoras (2004), Yimou enveredou por uma fantasia que, se não deixa de ser crítica, assume proporções de uma elaboração individual, onírica do mundo retratado. É como se Yimou agora estivesse buscando seus sonhos em seus filmes. De certa maneira, cineastas tão diferentes entre si e de Yimou como o italiano Federico Fellini e o norte-americano David Lynch trilharam este caminho: com o passar dos anos, desapegaram-se da realidade imediata e mergulharam num delírio pessoal, sem perder todavia de vista uma lógica interna que nada tem a ver com aquelas fantasias descompromissadas de Hollywood.

Gong Li, a mais conhecida estrela oriental de hoje e uma grande atriz certamente, vive a imperatriz marcada por seu marido, o imperador (notável desempenho de Chow Yun Fat), para enlouquecer com a ingestão diária dum composto químico ministrado pelos servos e servas do paço; misturando frieza a paixão, a imperatriz planeja sua vingança, que é também um tanto suicida, e vai desaguar no banho de sangue final; antes deste banho de sangue, é dado ao espectador ver um desfile de traições, matreirices, incestos, amores materno-filiais, amores espúrios, tensões doentias. Gong Li começa os planos iniciais do filme desenvolvendo a tensão preocupada de sua personagem; isto de certo modo marcará o filme até as lágrimas dela banhadas de sangue no fim da narrativa.

Precioso e deslumbrante, A maldição da flor dourada é um filme que não poupa opulência. Segundo o próprio diretor, esta opulência se fazia necessária para captar a própria época em que se passava a história. (Eron Fagundes)