Crítica sobre o filme "Eureka - 1ª Temporada":

Fernanda Furquim
Eureka - 1ª Temporada Por Fernanda Furquim
| Data: 04/12/2007
Desde a Revolução Industrial que a humanidade dividiu-se, basicamente, em duas linhas de pensamento: a de que as máquinas serviriam ao homem, e a de que as máquinas dominariam o homem. Muito se escreveu a respeito, seja em textos de ficção, seja em teses. Na televisão, que é considerada uma das máquinas que domina o homem, muito já foi discutido a esse respeito. Tanto em adaptações de textos literários, quanto em idéias originais. As séries de ficção científica dos anos de 1950 eram basicamente voltadas ao público infantil, com as quais os roteiristas passavam uma idéia de um futuro melhor em uma narrativa didática. Posteriormente, nos anos de 1960, graças a sucessos como “Além da Imaginaçãoâ€, “Um Passo Além†e “Quinta Dimensãoâ€, a produção de séries de ficção também passou a ter como público alvo os adultos.

De lá para cá, muitas dedicaram-se a explorar a idéia do homem x máquina. Séries como “Battlestar Galacticaâ€, que é um remake da produção de 1978, apresenta uma raça de homens máquinas tentando destruir os humanos. Conforme os anos vão passando e as gerações mudando, a abordagem sobre esse assunto vai tomando novas formas. No entanto, a dúvida permanece: quem domina quem? Nos dias de hoje, com tanta tecnologia fazendo parte do nosso cotidiano, é mais fácil para nós compreendermos o susto que a nova tecnologia provocou durante a Revolução Industrial. ou mesmo nos anos de 1950, quando a sociedade viu-se, quase que de repente, bombardeada por novas invenções. Algumas úteis outras não tão úteis que nem sobreviveram.

A relação homem/máquina é justamente o tema principal da série “Eurekaâ€. Não exatamente uma máquina, mas as inveções tecnológicas possíveis a partir das máquinas e da imaginação do homem. Eureka é o nome convenientemente dado a uma cidadezinha do interior dos EUA na qual, após a 2ª Guerra, foram reunidos vários cientistas renomados ou não, e suas famílias, que tinham um potencial de criação o qual interessava o governo. A idéia era incentivar, patrocinar e controlar as invenções desses cientistas para que pudessem beneficiar o governo e a sociedade americana. Os anos se passaram a cidade cresceu. Os filhos se tornaram pais e tiveram filhos, muitos se tornaram gênios, freqüentando escolas onde os professores são gênios. O nível de aprendizado é o mais elevado possível. Para quem passa pela cidade, parece um lugar como outro qualquer. Mas, no meio da mata, passando uma ponte velha e faltando um pedaço, existe um enorme complexo de laboratórios, a Global Dynamics, onde muitas das invenções são realizadas. Na sua maioria, utilizando-se a energia nuclear.

Jack Carter (Colin Fergunson), um agente federal, passa pela cidade escoltando uma fugitiva adolescente. Em virtude de alguns problemas que a cidade enfrenta, resultado de uma experiência que deu errado, ele fica para ajudar sem saber, inicialmente, que lugar é aquele e o que está acontecendo. Mesmo sem ser um gênio, ou mesmo por isso, Jack salva a situação. Como recompensa, é transferido para Eureka a pedido de seus moradores e do governo, para substituir o Xerife que foi morto neste episódio.

Jack é a pessoa de fora com quem o público precisa se relacionar e se identificar, para entrar em um mundo desconhecido governado pela ciência. Ao acompanhá-lo fazemos as mesmas perguntas que ele: para que serve? O que significa? Como funciona? E, assim, a ciência é explicada, tal qual era feito nas séries infantis de ficção dos anos de 1950, para, em seguida, ter seus limites testados. É quando as histórias penetram na fantasia do homem em relação ao futuro da ciência. A personalidade de Jack é muito parecida com a de Buck Rogers na série de 1979, “Buck Rogers no Século XXVâ€. Afinal, ambos vivem a mesma situação. De repente, se vêem em um mundo cujo avanço tecnológico e comportamentos eles não acompanharam durante seu desenvolvimento e, por isso, não compreendem.

Em “Eurekaâ€, temos o homem à mercê das máquinas. Desumanizados, eles vivem em função da tecnologia e de suas invenções. Agindo e reagindo de acordo com os resultados daquilo que criaram. Não existem relacionamentos ou qualquer atividade que não envolva alguma tecnologia. O que não significa que eles não tenham sentimentos ou consciência da relação humana; apenas que elas não são importantes para o desenvolvimento das histórias. Mesmo o Xerife Jack, que não é cientista, já se rendeu às comodidades e aos benefícios da tecnologia. Ele vive em uma casa experimental. Por fora, uma casa mata, por dentro, mais precisamente no subterrâneo, o ambiente é o retrato da casa do futuro, a qual é comandada por um computador à lá HAL 9000, do filme “2001: Uma Odisséia no Espaçoâ€; mas em sua versão feminina, que age como se fosse mãe ou esposa de Jack. Seu nome é SARAH (Self Actuated Residential Automated Habitat) e tal como HAL, ela também “enlouquece†em um episódio desta 1ª Temporada, deixando a todos que estão naquele momento na casa, presos e ameaçados de extinção. A única forma de se libertar, é demonstrar compaixão humana.

Entre os personagens que fazem parte do elenco fixo, temos Jo (Erica Cerra), a auxiliar de Jack, que acredita na força bruta e na arma para realizar seu serviço. A filha de Jack, Zoe (Jordan Hinson), uma deliqüente juvenil, vai morar com o pai, promovendo um dos poucos relacionamentos humanos que a série desenvolve. Jack está interessado em Allison (Salli Richardson-Whitfield), uma agente do Departamento de Defesa que supervisiona as atividades da cidade e da Global Dynamics. Apesar do mútuo interesse, ambos agem como se nada ocorresse. Isso porque Allison ainda é casada com Nathan Stark (Ed Quinn), embora já não vivam mais juntos. Stark é o diretor das operações da Global Dynamics. Ambos se separaram em função das horas dedicadas ao trabalho.

Também na cidade estão Henry Deacon, ex-engenheiro da NASA que atua como uma espécie de McGyver na série, capaz de fazer tudo. Ele é o mecânico da cidade, mas também um professor, bombeiro, legista e um cientista que desenvolve vários projetos. Douglas Fargo (Neil Grayston), é o assistente de Stark, que tenta provar seu valor a cada episódio. Foi ele quem desenvolveu o projeto da casa inteligente onde Jack vive.

Temos também a curiosa presença de Matt Frewer, interpretando Jim Taggart. Matt foi “Max Headroomâ€. Originalmente criado pela TV inglesa, Max surgiu nos EUA em uma série produzida entre 1987 e 1988, como um apresentador eletrônico em um futuro distante. Posteriormente, foi produzido um talk show no qual atores eram entrevistados por Max que aparecia para eles em um telão. A imagem e a voz de Matt Frewer foi utilizada para dar vida à Max Headroom. Agora, Matt interpreta Taggart, veterinário e especialista em biologia. Considerado o louco da cidade, Taggart é um ávido defensor da vida animal e da natureza.

A vilã da história, se podemos chamá-la assim, é Beverly (Debrah Farentino) a psicóloga da cidade e dona da pensão local, que trabalha secretamente para uma instituição não revelada para qual ela fornece segredos das novas tecnologias. Poucas situações foram exploradas com essa personagem que não se desenvolveu ao longo da primeira temporada de “Eurekaâ€. Sua presença e suas atividades não influem nesses episódios nem tampouco na vida dos moradores da cidade.

Pela falta de desenvolvimento nos relacionamentos pessoais, que gerariam uma trama maior, a série apresenta situações totalmente à mercê das tecnologias e da fantasia. O que vale aqui é a forma científica de como os problemas serão resolvidos. Com histórias fechadas a cada episódio, soluções apresentadas para resolver um problema não são lembradas como solução de outras tramas. O resultado dessa primeira temporada é uma narrativa leve e simples, de certa forma didática, com um certo descompromisso em relação à realidade dos personagens. De fato, os personagens principais dessa série são os equipamentos eletrônicos e as invenções científicas. Os personagens humanos atuam apenas como coadjuvantes, apesar da promessa de possíveis futuros relacionamentos ou tramas pessoais. “Eureka†é uma série de fantasia tecnológica para o público infanto-juvenil ou o adulto ávido em ver as possibilidades de se transpôr os limites da ciência.

A série foi criada por Andrew Cosby e Jaime Paglia, roteiristas novatos na televisão americana. Produzida para o canal Sci Fi, ela está em sua terceira temporada nos EUA. A primeira temporada tem um total de 12 episódios, sendo o penúltimo, “H.O.U.S.E. Rulesâ€, continuação do anterior, “Purple Hazeâ€. Já o último episódio, “Once in a Lifetimeâ€, traz uma trama que desenvolve um pouco mais os relacionamentos e os sentimentos dos moradores de Eureka, em relação aos demais episódios. “Eureka†ainda apresenta um marketing ao longo dos episódios. Sempre que Nathan Stark encerra uma conexão em seu computador, a câmera focaliza o nome Cisco System. Essa empresa de fato existe. Ela é uma multinacional que trabalha com equipamentos eletrônicos e tecnologia de comunicação. No Brasil, virou manchete em outubro de 2007 quando foi descoberta uma fraude na importação de sistemas eletrônicos. A operação, que ocorria desde 2002, fraudou o Imposto de Renda em um valor de 1.5 bilhões de reais. A operação levou à detenção de 40 funcionários da empresa, incluindo seu diretor local, sob acusação de formação de quadrilha, falsificação de documentos e corrupção. (Fernanda Furquim – confira seu blog RevistaTV Séries)