Crítica sobre o filme "Condessa Descalça, A":

Eron Duarte Fagundes
Condessa Descalça, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 01/11/2007
O norte-americano Joseph L. Mankiewicz é considerado um cineasta diferente em Hollywood porque expõe falas em abundância em seus filmes, descaracterizando o espetáculo da meca do cinema; os enfeites literários do verbo e a teatralidade de sua direção se integram nas complexidades narrativas de A condessa descalça (The barefoot contessa; 1954), um retrato de mulher que o crítico francês François Truffaut, num artigo de 1955, considerava “um dos mais belos que o cinema proporcionou.†A condessa descalça é narrado por diversas vozes narrativas durante um enterro de uma conhecida mulher nobre, na chuva, os guarda-chuvas identificando os signos de um cenário mea culpa; como em Assim estava escrito (1952), do também norte-americano Vincente Minnelli, outro ajuste de contas de um diretor de cinema para com as maldades de Hollywood, a personagem central é evocada por aqueles que conviveram com ela — no caso de A condessa descalça as imagens evocativas são demasiadamente amarradas às lembranças das personagens vertidas em vozes-over deterministas, determinadas, pouco lisonjeiras para com o senso de cinema que Mankiewicz demonstrou melhor em A malvada (1950). (Nota: tanto o filme de Minnelli quanto o de Joseph, pagam tributo à inventividade e revolução do roteiro-cinema de Herman Mankiewicz, irmão de Joseph, para Cidadão Kane, 1941, do americano Orson Welles).

Destas personagens que narram a vida da recente defunta a mais importante é a do diretor de cinema Harry Dawes, vivido pelo sempre desenvolto Humphrey Bogart; este confidente de Maria Vargas (sensual encarnação de Ava Gardner) é o elo ou a ponte entre o espectador e a protagonista. Ao longo de pouco mais de duas horas de filme, Mankiewicz roda uma narrativa difusa, excessiva, às vezes confusa, em que sua personagem é ora um símbolo de sua crítica a Hollywood, ora uma mulher vítima dos homens que a exploram, ora uma vítima de sua própria fantasia feminina de achar seu príncipe e no final descobrir que este príncipe (magnífica quebra de encanto) é impotente. Não cuido que o realizador articule muito bem estes diversos quadros de vida de sua criatura: o filme chega por vezes a ser envolvente com suas imagens educadas e seu palavrório sutil (Truffaut, o jovem e arrebatado Truffaut, chegou a chamar do cemitério o romancista francês Stendhal em defesa do filme e da personagem), mas eu estou mais para a posição desmistificadora da ensaísta norte-americana Pauline Kael, que assim definiu os rumos desta obra de Mankiewicz: “uma história de Cinderela em que o príncipe se revela impotente.†Descalçando o filme de seus artifícios intelectualizados que tanto influenciaram a Truffaut nos anos 50, A condessa descalça não deixa de ser uma ingênua história de Cinderela meio vadia em sua ocultação do sexo para uma mulher nobre. De qualquer maneira, entre constantes momentos de enfado e outros tantos de prazer narrativo, A condessa descalça é um filme acima da média habitual do cinema que se vê corriqueiramente e merece ser conferido pelo espectador. (Eron Fagundes)