Numa determinada cena de 100 escovadas antes de dormir (Meliss P.; 2005), filme erótico dirigido pelo italiano Luca Guadagnino, justamente aquela em que a protagonista, uma garota de catorze anos, perde sua virgindade nas mãos de um garanhão cafajeste que a atrai fisicamente, ouvimo-la dizer, em off, como se fosse um pensamento paralelo ao sexo que está em cena: Eu te amo. Eu não te amo. Este texto surge sobre as imagens de um primeiro plano de seu rosto tenso e decepcionado diante da primeira paixão avassaladora de sua vida. A referência parece óbvia para o espectador que conhece a história do cinema; em A aventura (1959), clássico existencialista do italiano Michelangelo Antonioni, a personagem da mulher joga com estas mesmas duas frases para expressar o vazio de seu relacionamento com o marido. Esta alusão mais ou menos intelectual vai colocar a realização de Guadagnino no caminho daqueles filmes pornográficos europeus dos anos 70 que se sofisticavam com algumas teorias existenciais pretensamente profundas (no Brasil, tivemos alguns representantes desta vertente em realizadores em atividade na Boca do Lixo de São Paulo, entre eles Carlos Reichenbach, Jean Garrett e Alfredo Sternheim); assim, 100 escovadas não deixa de adotar um erotismo adolescente bastante raso, que todavia pretende ir um pouco além e tropeça em suas pretensões.
Aos treze (2003), de Catherine Hardwicke, era outro produto pasteurizado e feérico das inquietações de meninas adolescentes, mas continha uma certa violência crítica e sua atriz central, Evan Rachel, era uma intérprete muito mais consistente que a bonitinha vazia Maria Valverde de 100 escovadas. Eu prefiro referir como obras mais acabadas sobre a descoberta do sexo e do mundo por raparigas adolescentes o francês Lila diz (2004), de Ziad Doueiri, com Vahina Giocante no papel principal abrindo o filme dirigindo-se para o espectador ou para uma personagem oculta e perguntando atrevidamente: Você não quer ver minha xoxota?) e principalmente Menina santa (2004), da argentina Lucrecia Martel, com Maria Aleche na figura da adolescente, cenas reveladoras onde a donzela provoca perversamente as taras dos adultos masculinos. Perto destes três filmes, a visão de 100 escovadas é moralista; sua descida ao inferno do sexo, com a possibilidade de subida à luz no final, evoca a trágica trajetória da personagem de Diane Keaton em À procura de Mr. Goodbar (1977), do norte-americano Richard Brooks.
A utilização de um diário narrador é um tanto quanto morna e nada lembra de utilizações semelhantes no cinema italiano, como Caro diário (1994), de Nanni Moretti. Entre as boas coisas (raras) do filme está a possibilidade de reencontrar a atriz Geraldine Chaplin, aqui dublada por uma italiana; para quem a admirou em obras de Robert Altman e especialmente em filmes fundamentais que interpretou para seu ex-marido, o cineasta Carlos Saura, nos anos 70, é um exercício nostálgico rever em sua velhice seu eterno jeito interpretativo, especialmente em sua característica maneira de falar onde mal abre a boca: uma avó que todos gostaríamos de ter. Geraldine é, em 100 escovadas, uma elegância muito acima do filme. (Eron Fagundes)