Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 28/11/2006
Pré-escrito: O texto que segue foi composto por mim em 21.06.1984, quando o filme-testamento de Fassbinder pintou nas telas de Porto Alegre.
Casado com a atriz Hanna Schygulla, o cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder era, todavia, homossexual confesso. Tendo feito um dos mais belos filmes sobre o lesbianismo (As lágrimas amargas de Petra Von Kant, 1972), a pedarastia, latente em toda a sua filmografia, se torna mais avassaladora em seu derradeiro filme, Querelle (1982). É nesta obra crepuscular e meio autobiográfica que Fassbinder solta todos os seus demônios pessoais, sem concessões ou subterfúgios.
Querelle baseia-se num livro de Jean Genet, outro homossexual maldito. Filmado em estúdio, denotando a afeição do cineasta pelo melodrama e o teatro, Querelle não é uma pelÃcula fácil de ser aceita ou vista; levando muito longe suas experimentações de linguagem, Fassbinder constrói uma de suas fitas mais complexas e excitantes. Lutando contra os preconceitos formais do espectador, o cineasta utiliza elementos próprios do teatro e do vÃdeo para sufocar o assistente numa atmosfera sombria, densamente germânica; lutando contra os preconceitos morais da platéia, Fassbinder executa uma narrativa homossexual tão forte e radicalizada como o cinema talvez nunca tenha ousado.
A fita de Fassbinder é bastante amarga em seu retrato duma personalidade incomum. E isto talvez explique o estado de espÃrito do cineasta em seus últimos momentos. Buscando o desagradável na obra de arte, Fassbinder chega a ser assustador na maneira dura com que se dirige a seu público.
Além de Brad Davis como Querelle, a realização conta com o talento de Jeanne Moreau na pele da mulher do irmão de Querelle. Incapaz de provocar uma empolgação –por ser demasiado rangente e particular na exposição de um tema difÃcil--, Querelle é uma obra para ser degustada com a voracidade do olhar. (Eron Fagundes)