O cinema do polonês Krysztof Kieslowski é como uma luz no túnel. Ou é a própria luz no túnel. Não sei se lhe cabe melhor a comparação ou a metáfora. Uma luz única no túnel do cinema.
Por que uma luz? Numa narrativa sombria, como geralmente são as de Kieslowski, a iluminação é elemento básico da linguagem. Entre as sombras da imagem, o brilho plástico do aparecimento bem enquadrado de algumas cores suaves e a aparição do rosto bonito e jovem da atriz Irene Jacob. Entre os muitos filmes destinados ao passatempo fútil, uma obra ímpar, rigorosa, intelectualmente clara. Uma luz em dois sentidos. Próprio: as luminárias cinematográficas. Figurado: ilumina os cérebros embotados pelo ramerrão do cinema.
Um episódio singelo e ocasional leva uma jovem modelo a ir ao encontro dum velho juiz aposentado e com ele manter um relacionamento estranho, asséptico, tenso e interiormente tumultuado. Ela atropela um cão e sai no encalço de seu dono, o juiz. Topa com um homem austero e indiferente. E, lenta e obsessivamente, Kieslowski elabora o acompanhamento da trajetória de modificação de dois seres: a modelo de modas (a suavidade do corpo) e o juiz de direito (a severidade do espírito).
A fraternidade é vermelha (1994) encerra brilhantemente a trilogia das cores a que Kieslowski submeteu seu maravilhoso cinema. (Texto de 1994)