Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/09/2006
“E, quando a Cinédia já agonizava, em 1946, surgia um de seus maiores sucessos de bilheteria, O ébrio, dramalhão popularesco que teve a direção de Gilda de Abreu, aproveitando o fenômeno da canção do mesmo nome, criada por seu marido, o cantor Vicente Celestino.†Esta frase está inserida no mar de extraordinárias observações que integram o livro Introdução ao cinema brasileiro (1956), do historiador Alex Viany.
O ébrio, rodado por Gilda Abreu nos estúdios falidos da Cinédia baseando-se numa peça teatral dela mesma que fazia sucesso no Rio de Janeiro da época, certamente merece o epÃteto “dramalhão popularesco†que lhe confere Viany; não se peja dos clichês mais evidentes e constrangedores dos melodramas que então faziam o circuito do radioteatro, aliás uma influência muito forte (o rádio) no estilo de encenação e de entonação de voz que vemos em O ébrio. Mas é curioso notar, como aduz o crÃtico José Carlos Avellar na entrevista dos extras do dvd da Versátil, como a utilização dos elementos popularescos no filme de Gilda difere da maneira como estes mesmos elementos atuam nas chanchadas da Atlântida que atraÃam o público pela mesma época; os diálogos são gongóricos e a pose da fala dos atores apresenta uma sisudez pré-histórica que foge à naturalidade farsesca das chanchadas, é uma tentativa de impor respeito a partir da palavra nobre, escolhida, entoada em sintaxe repuxada e artificial; O ébrio tem uma construção dramática precisa, clássica, um desenvolvimento, afastando-se da aparência de coleção de anedotas que era uma chanchada.
N o entanto, O ébrio é um projeto industrial, como as chanchadas: há um sistema de produção claro e a história e a direção de Gilda Abreu deve encaixar-se dentro deste sistema. A peça e a direção de Gilda apareceram por acaso dentro do projeto de cinema do produtor Adhemar Gonzaga, que seria o verdadeiro artÃfice da pelÃcula; qualquer que fosse o diretor e o roteiro, os sistemas gerais (narrativos, estéticos, de fotografia, de enquadramento) gerariam um filme assemelhado, embora se possa discutir se o sucesso comercial se repetiria. Demais, O ébrio se enquadra no conceito de filme de estrela, conceituando melhor, no subgênero do filme de estrela de música popular, servindo para dar suporte de multimÃdia (não existia esta conceituação então, mas o mecanismo é o mesmo de hoje, só que naqueles recuados anos era menos sofisticado) à canção de um astro como Vicente Celestino. Assim como muitas chanchadas (pode-se até citar Alô, alô, carnaval, de 1935, dirigido por Adhemar Gonzaga e que lançou as jovens irmãs Miranda, Carmen e Aurora) engatavam na tela os sucessos que viriam no próximo carnaval. (Eron Fagundes)