Crítica sobre o filme "Bonecas Russas":

Rubens Ewald Filho
Bonecas Russas Por Rubens Ewald Filho
| Data: 25/09/2006

Pena não ter assistido antes esta comédia que já fracassou injustamente perdida entre tantos lançamentos. Mas ela tem tudo para ser um êxito, principalmente por ser a melhor comédia romântica recente. Diferente até por ser européia. Não é preciso ter visto antes seu original, que foi O Albergue Espanhol (2002) disponível em DVD, do mesmo diretor e elenco, onde se mostrava como aquele grupo de amigos, de paises e origens diferentes conviveram numa mesma pensão em Barcelona, se tornando amigos para o resto da vida. Cinco anos depois ele se reencontram na ocasião do casamento de um deles, o inglês William que se apaixonou por uma bailarina russa e se mudou para São Petesburgo onde todos vão no casamento.

Tudo indica que a história é autobiográfica do diretor e que a maneira de Truffaut, seu Antoine Doinel, ou seja, seu alter ego é o ator Romain Duris com quem trabalha desde 93, e que apesar de sua mania de sempre aparecer pelado, acabou se tornando astro na França. Já adulto, ele consegue convencer como o jornalista que tenta ser escritor, trabalhando como ghost writer (ajuda uma modelo famosa a escrever suas precoces memórias) e tentando escrever um telefilme que ao virar co produção inglesa vai trabalhar junto com Wendy, irmã de William e também do grupo/filme anterior.

O filme foi feito em sistema digital e mantém o gosto do diretor de mostrar lugares diferentes de cidades, com um lado turístico com imagens inusitadas de Paris e agora de São Petesburgo. Tem uma narrativa mais complicada, porque o herói esta contando a história no seu notebook (o que provoca mais de um final) e há alguns vai e vens. Só que os personagens são tão simpáticos, os atores legais, as situações divertidas e humanas que o filme se torna irresistível. A única coisa que discuto é a escolha do titulo,que se refere sobre aquelas bonecas que existem na Rússia, uma escondida dentro das outras. Pode ser uma bonita metáfora, mas não retrata bem como o filme é bom de se ver.

Ganhou o premio César de coadjuvante para Cécila de France (que faz a amiga lésbica), tendo sido indicado ainda para montagem e outra coadjuvante (a inglesa Keilly Reilly) (Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos de 05 de maio de 2006)

AXavier, o escritor-personagem do filme francês Bonecas russas (Les poupées russes; 2005), dirigido por Cédric Klapisch, vai dispondo meio arbitrariamente as fragmentárias cenas de sua vida, onde busca exercitar sua necessidade de contar histórias (e contar histórias verdadeiras), e com estas cenas o cineasta do filme que se está vendo na tela monta uma narrativa quebradiça, que dispersa a atenção do espectador e muitas vezes provoca mesmo o desinteresse pelo que está acontecendo. É como se a personagem de Xavier fosse o próprio diretor do filme, ou o contrário: Klapisch constrói Xavier, valendo-se da figura opaca de Romain Duris, como se Xavier fosse o alter ego do realizador. O descosido montado com trivialidades é bastante comum no cinema francês; mas em Bonecas russas o que deparamos é a forma mais trivial e tediosa deste descosido; Klapisch não tem a habilidade de desfragmentar a narrativa e manter uma tensão dramática ou poética para segurar o interesse do observador, como já se evidenciava em sua película anteriormente vista por aqui, Albergue espanhol (2002), também com  a personagem de Xavier desfiando episódios pessoais para utilização na tela. (Um amigo, o escritor gaúcho Juremir Machado da Silva, em conversa pessoal, comparou este filme francês com o cinema praticado pelo gaúcho Jorge Furtado; Juremir é um desafeto do cinema de Furtado, que, segundo ele, é superficial, isto é, sem profundidade dramática; de qualquer maneira, Furtado me parece bem mais inquieto estilisticamente do que Klapisch).

Como a criatura de Xavier não tem o gênio do romancista norte-americano Henry Miller, que revolucionou a literatura do século XX só falando de si mesmo, Bonecas russas frustra bastante. O protagonista Duris tem um desempenho próprio da babaquice francesa. As mulheres é que estão melhores: como François Truffaut, pode-se dizer que Klapisch tem uma afeição por dirigir mulheres, imprimindo a esta direção de mulheres uma inevitável carga erótica.

Mas não é a Truffaut que Bonecas russas remete essencialmente a lembrança do cinéfilo. Dentro de seu aparato do mal feito narrativo, o filme, com sua metralhadora de tiros fragmentados, tenta atualizar, por exemplo, Acossado (1959), de Jean-Luc Godard; num determinado e breve plano a garota com quem Xavier tem um caso dá-lhe uma tapa na cara, como fazia Jean Seberg no rosto vagabundo de Jean-Paul Belmondo em Acossado. Assim, Bonecas russas é um dos muitos filmes atuais que podem ser tachados de reboquistas, termo cunhado nos anos 80 pelo crítico Tuio Becker para definir os filmes que vinham a reboque de outros filmes originais e autênticos; para o espectador que vê incansavelmente cinema há várias décadas, Bonecas russas é, falando objetivamente, um pontapé no saco. (Eron Fagundes)