Crítica sobre o filme "Acerto de Contas":

Eron Duarte Fagundes
Acerto de Contas Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 10/07/2006
O cineasta norte-americano Jim McBride desfrutou de um certo prestígio nos anos 80, quando rodou seu A força do amor (1982), uma tentativa de buscar inspirações revolucionárias no clássico e inesgotável Acossado (1959), do francês Jean-Luc Godard. Acerto de contas (The big easy; 1986) foi o filme seguinte do realizador e repetiu seu sucesso de culto junto ao mesmo público que defendera ardorosamente sua investida godardiana; lançado em dvd pela Aurora, a realização permite observar, com um distanciamento de duas décadas, certos tiques de cinema americano nos anos 80 e as limitações estéticas de seu pretendido projeto revolucionário.

Eu vi pela primeira vez Acerto de contas na vasta sala do Hotel Nacional, no Rio, no FESTRIO/86, em novembro de 1986. Tive o privilégio de ouvir o próprio diretor apresentar seu filme que então aparecia como uma novidade quente no mercado cinematográfico; uma emoção para sempre na memória do cinéfilo, é claro. McBride viveu alguns anos no Rio, falava (voltemos a novembro de 1986) um português compreensível e revelou-nos que havia similitudes entre a Nova Orleans mostrada em Acerto de contas e o Rio onde se dava a mostra que trazia seu filme, o Rio e Nova Orleans seriam segundo McBride cidades do jeitinho e do embalo (assim, com estes dois termos ditos diretamente em português, ele definiu descontraidamente sua narrativa no microfone da Sala Glauber Rocha, no Hotel Nacional). Acerto de contas é uma narrativa embalada na facilidade de suas músicas populares e comunica-se com naturalidade com o público; mas os anos só acentuaram sua intragável superficialidade, eu me sentia muito só naquela imensa e lotada sala do Hotel Nacional e naquela irritação contra os pecados do filme, os admiradores de McBride me esmagavam, mas creio que o tempo me deu razão (ou estarei iludido por uma percepção pessoal?): McBride não sobreviveu como um cineasta fundamental.

Um dos trunfos de Acerto de contas é a dupla central de atores. Dennis Quaid como o policial levemente corrupto e Ellen Barkin como a promotora impiedosa estão fascinantes e demonstram como certos intérpretes da Hollywood dos anos anos 80 dispunham de recursos interpretativos um tanto quanto longe da disponibilidade de hoje; o caso de amor entre o policial e a promotora, exacerbado nas disputas forenses, só tem algum charme porque os atores o têm.

Em suma, para amantes e detratores do cinema de Jim McBride, um prato histórico que sempre servirá. (Eron Fagundes)