Crítica sobre o filme "Gardênia Azul, A":

Eron Duarte Fagundes
Gardênia Azul, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 04/06/2006
O vienense Fritz Lang é um dos gênios do cinema alemão clássico e, segundo alguns, rodou seus filmes mais arrebatadores nos estúdios de Hollywood, que significa tudo o que o cinema alemão não é, embora Lang, em todos os seus filmes, inclusive os americanos, seja arraigadamente alemão. Num artigo de 1958 o crítico francês François Truffaut observava que os melhores filmes hollywoodianos daquela década tinham as assinaturas de estrangeiros: um inglês, Alfred Hitchcock; um grego, Elia Kazan; um dinamarquês, Douglas Sirk; e gente de Viena, como Billy Wilder e Fritz Lang. A ensaísta germânica Lotte H. Eisner, em seu fundamental livro sobre o expressionismo alemão, A tela demoníaca, se deteve, é claro, sobre a fase alemã do cineasta, de onde desponta a obra perfeita que é M, o vampiro de Dusseldorf (1931); no capítulo “A aventura em Fritz Lang†a pensadora teutônica esmiúça a maneira como Lang se vale da estrutura do filme policial, citando um texto onde Lang vincula a seu pensamento a idéia de que o filme policial, esgotando a trama folhetinesca, teve de buscar soluções estéticas na psicologia criminal. É esta psicologia criminal habilmente levantada pelas observações de Lang que se introduz numa peculiaridade de montagem que vai determinar a originalidade de Lang como realizador de películas policiais.

A gardênia azul (The blue gardenia; 1952) exibe toda a grandeza de Lang para, com alto poder de síntese e manipulação de elipses e iluminações, jogar com a percepção do observador e iludi-lo admiravelmente. Feito pouco depois de O diabo feito mulher (1951) e pouco antes de Os corruptos (1953), A gardênia azul supera estes dois filmes em charme, sutileza e profundidade; a capacidade cinematográfica atingida por Lang em A gardênia azul equipara-se àquela de obras-primas como Almas perversas (1945) e O segredo da porta fechada (1947), realizações intrigantes e misteriosas que percorrem labirintos fílmicos densamente mentais; há umas semelhanças entre Almas perversas e A gardênia azul: alguém paga pelo crime de outrem, mas este elo de injustiça é desfeito no final de A gardênia e em Almas vai devassar interminavelmente a consciência do verdadeiro culpado; em Almas o protagonista (que é o criminoso) é um pintor desconhecido, em A gardênia a personagem central, uma mulher, (que é acusada do crime) vai visitar o pintor galanteador na noite em que recebeu um fora de seu namorado (e o pintor, depois de ambos se embebedarem, é morto, numa das mais fabulosas elipses cinematográficas da história do cinema – a câmara gira em sobreimpressões na cabeça da mulher supostamente assassina).

A loira Anne Baxter (uma das grandes atrizes de Hollywood nos anos 50) está maravilhosa no papel da frágil garota largada (através de uma dolorosa carta) por seu amante e em seguida acusada de um crime que nem ela mesmo sabe se cometeu (ou imagina o tempo todo que cometeu, pois estava bêbada –o espectador embarca com ela nesta hipótese lançada matreiramente por Lang, pois a elipse visual estabelecida é uma metáfora de nossa bebedeira como observadores de filmes). Enfim, uma grande delícia cinematográfica este A gardênia azul, sobremaneira valorizado pela canção e pela aparição do cantor negro Nat King Cole, um dos ícones da época. (Eron Fagundes)