Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 13/06/2006
O cineasta sueco Ingmar Bergman apresenta, em seu filme A flauta mágica (Die Zauberfloete; 1975), uma versão cinematográfica cerebral e estudadamente estática para o universo jocoso e crianceiro do compositor Wolfgang Amadeus Mozart. Bergman é antes um Bach do cinema: aristocrático, distanciado, aspirando à pureza estética em grau extremo. Mas sua paixão pelos acordes faceiros de Mozart não deixa de manifestar-se em delÃrios mágicos de imagens em A flauta mágica; o alto poder de Bergman de manipular com expressividade a imagem cinematográfica está em cada quadro e seu frio rigor de composição é esteticamente apaixonante – sempre.
O que o espectador vê em A flauta mágica é uma espécie de metateatro: está-se encenando a ópera de Mozart para espectadores teatrais; a peça dentro do filme que acaba por converter-se no próprio filme e os observadores da platéia formam o liame narrativo de que se vale Bergman para expor novamente sua genialidade. Há um estribilho visual de grande força que surge a espaços ao longo dos 134 minutos de narrativa: o primeiro plano duma garotinha que está na platéia teatral, seu olhar concentrado e sensÃvel, sua expressão luminosa. É seu rosto que abre A flauta mágica. Nos primeiros oito minutos de filme Bergman acumula primeiros planos dos rostos dos espectadores da peça; são maravilhosos oito minutos em que o realizador exercita seu notável talento para filmar a face humana.
Duas histórias de amor cruzadas (Papageno e Papagena, Pamina e Tamino) e uma musicalidade constante e harmoniosa levam a efeito a beleza deste filme de Bergman que, em sua época, não teve uma aceitação plena, pois, dizia-se, depois atingir o ápice em Gritos e sussurros (1972), Bergman decaÃra em trivialidades psicanalÃticas (Cenas de um casamento, 1974, e Face a face, 1976) ou em reconstituição operÃstica sem inspiração (caso de A flauta mágica). Trinta e um anos depois, A flauta mágica pode não estar entre os trabalhos mais geniais do diretor, mas é um filme de uma beleza extremamente digna. (Eron Fagundes)