A primeira lembrança que me ocorreu foi de “Farinelliâ€, aquele filme italiano que contava a história de um dos mais famosos castrati, cantantes que perdiam as honras e a carreira quando a Igreja (em boa hora, digamos) proibiu que os garotos que tivessem boas vozes fossem castrados para nunca perderem esse dom. Aqui é muito parecido.
Este filme inglês, foi roteirizado por Jeffrey Hatcher, baseado em peça de sua autoria, inspirada em fatos reais. Como se sabe desde “Shakespeare Apaixonadoâ€, antigamente, na Inglaterra particularmente, era proibido que as mulheres representassem em cena, que fizessem teatro. Então os papéis femininos eram interpretados por atores, treinados desde pequenos, para os maneirismos e comportamento femininos, e que por conseqüência com freqüência se tornavam homossexuais (encontrando também seus patronos, quase como os travestis atuais).
De qualquer forma, este é o primeiro filme a tocar abertamente no lado negro do tema, passado em 1660, quando Edward Ned Kynaston (Billy Crudup) é uma estrela dos palcos, requisitado para jantares com nobres, sendo sua especialidade a Desdemona de “Otelo†de Shakespeare. Ele existiu mesmo e, foi descrito em diários da época como “a mulher mais bonita dos palcos londrinosâ€. Até o dia em que o Rei Charles II (Rupert Everett, que parece se divertir com a composição), cansado de ver sempre as mesmas performances, mudou a lei, permitindo a entrada de mulheres (e proibindo os homens de fazerem papéis femininos). Ou seja, de uma hora para a outra arruinou a carreira e a vida do protagonista.
O roteiro mostra isso muito bem porque juntamente com os excessos de estrelismo de Ned, a gente vai acompanhando a ascensão de Maria uma garota ambiciosa que era camareira (dresser, em inglês) e que traz novo frescor aos personagens, naturalmente dando uma de “malvada†(primeiro copiando o outro). O papel é feito por Claire Danes, e peço licença para abrir um parêntese curioso: durante as filmagens, ela e Billy tiveram um rumoroso romance que fez com que o rapaz largasse de sua companheira, a premiada Mary Louise Parker, justamente no momento em que ela estava para dar a luz ao filho do casal, o que certamente não contribuiu muito para sua reputação de bom caráter. Billy Crudup é daqueles atores chatos que vêm do teatro e fazem questão de total imersão no personagem se esquecendo que cinema quase sempre não precisa disso. A câmera se encarrega de registrar o pensamento, por isso que é mágica. Ela amplifica o que a alma esta sentindo, não é preciso compor como no teatro.
É uma pena que o filme tenha passado em branco no exterior, talvez porque ele seja obrigatório para atores (é muito sobre a técnica do ator, já que Ned faz um homem sem imitar uma mulher, ou seja, sutilezas e ambigüidades que somente atores irão sacar e discutir integralmente). Já não me convence tanto a parte romântica da história (embora seja curioso como o Duque, amante de Ned, o rejeite quando ele tem que se assumir como homem). Mas isso não invalida o filme, que é uma estréia importante (já passou no Rio há algum tempo).
Para
ser descoberto.
(Rubens Ewald Filho na coluna Clássicos)