É muito louvável se fazer o elogio da mulher madura, algo com que eu concordo plenamente. Há muitas mulheres que hoje têm 60 anos e são certamente muito mais interessantes, belas e sedutoras do que a maior parte das jovens (digo e provo: que tal Irene Ravache, Joana Fomm ou Betty Faria para calar a boca de qualquer argumento?).
Pois é, a diretora e roteirista Nancy Meyers (de Do Que as Mulheres Gostam, com Mel Gibson) resolveu demonstrar esta constatação com esta comédia. E deve ter razão, porque o filme fez muito sucesso nos EUA, chegando perto dos US$ 100 milhões, provando que ainda existe um público adulto que vai ao cinema. Nem toda fita tem que ser débil mental.
(O título é o mesmo da fita inacabada de Marilyn Monroe, mas não ha outra relação, tampouco com a famosa canção homônima).
Bom, nem por isso Something´s Gotta Give é uma maravilha. O filme dá uma grande chance para Diane Keaton, que é uma das poucas mulheres de Hollywood que não fez plástica - e isso fica claro no seu rosto caído e murcho. Ela, que nunca foi especialmente bonita, está uma senhora que não esconde a idade.
No entanto, todo mundo passa o filme todo dizendo que ela é maravilhosa, linda, charmosa, adorável e sedutora. Mas a gente nunca vê isso, porque o roteiro esqueceu de lhe dar essas cenas. A Diane que se vê é uma mulher insegura, às vezes até chata, confusa, desastrada, complicada. Dizem que ela é uma dramaturga premiada e inteligente, mas não mostram cenas de sua obra para comprovar isso; o que vemos é ela chupando situações da vida real para usar no texto. Parece aquela velha teoria de que, se você repetir muito uma coisa, ficar repisando um fato, as pessoas acabam acreditando.
Diane tem uma casa na praia para onde vai a filha (a talentosa Amanda Peet, cada vez melhor) com seu namorado novo: um milionário da indústria fonográfica feito pelo grande Jack Nicholson. E bota grande nisso. O homem é uma fera, todo mundo já sabe disso. Mas a novidade é que ele consegue se renovar, faz caretas novas, não tem vergonha de fazer chanchada rasgada, até pelado aparece (aliás, Diane também, ainda que rapidamente).
Nicholson está mais uma vez fantástico e merecia mais uma indicação ao Oscar®. Ate porque é ele quem levanta o nível do elenco: mesmo Keanu Reeves, famoso canastrão, está direitinho. Ele faz um médico que se apaixona por Diane, sem se incomodar com a idade ou as rugas dela (como se na vida fosse assim tão fácil). E há ainda Frances MacDormand, sempre maravilhosa, mas com poucas cenas.
Diane tem ganho prêmios pelo filme, que é razoavelmente engraçado, só que mais por causa Nicholson do dela. Mas, basicamente, é uma comédia romântica para a terceira idade (tive pudor de chamar de geriátrica, afinal de contas?). (Rubens Ewald Filho. Leia mais críticas e artigos de REF na coluna Clássicos)
O cinema americano tem dessas coisas. Alguém tem que ceder (Something’s gotta give; 2003), filme realizado por Nancy Meyers, é extremamente previsível e até insosso em suas tiradas cômico-românticas: Hollywood exacerba na superficialidade, nos trejeitos repetitivos, na maneira americaníssima de conquistar o mercado. Mas o resultado final da narrativa de Meyers contraria a expectativa de um espetáculo babaca e sem sal; valendo-se dos mesmos truques de tantos outros produtos da indústria ianque (bons atores, charmosos movimentos de câmara, agilidade de montagem), o filme acaba por penetrar parcelas mais sensíveis do espectador que ao cabo se revela um fraco diante da magia fácil da linguagem que ali se impõe.
A surpresa de Alguém tem que ceder vem deste paradoxo: como uma comédia romântica já vista tantas vezes pode apresentar-se como alguma coisa capaz de sacudir a emoção do espectador, ainda que esta emoção não salte muito acima do solo?
Jack Nicholson e Diane Keaton, os veteranos de Hollywood que vivem os idosos que se apaixonam, estão em momentos tragicômicos no pico. Diane, especialmente, confere à velhice de seu corpo um brilho de olhar que é a própria criatividade de sua expressão como intérprete, evocando seus grandes anos de atriz, aqueles da década de 70 e de seu casamento com o ator e diretor norte-americano Woody Allen. As sutilezas interpretativas de Diane fazem realçar a contrastante relação que o filme quer expor, entre o corpo e o cérebro, dando à narrativa uma inquietação inusitada para o formalismo comercial em que está embutida.
Equilibrando-se entre o riso e o choro, sem temer o patético como nas cenas em que Diane Keaton chora ao mesmo tempo em que está escrevendo a peça de sua vida (de sua vida= sua melhor peça e também a peça sobre suas experiências de vida), Alguém tem que ceder evoca-me um texto do prosador luso-brasileiro Antônio Vieira, As lágrimas de Heráclito (1709), utilizado pelo cineasta português Manoel de Oliveira em sua obra-prima Palavra e utopia (2000): “Em seu lugar apareceu o pranto, porque segue e vem depois do riso.” Diane Keaton chora enquanto compõe no computador a peça de sua vida, mas seu choro aqui e ali se transforma em riso: o espectador ri dela, sem embargo de se sensibilizar com suas amarguras de vida.
Basicamente um filme de interpretações, Alguém tem que ceder conta com outra grande atriz americana, Frances McDormand, que vive a irmã da personagem de Diane. Pode-se repugnar no filme um certo artificialismo de soluções de roteiro; mas o jogo da diretora é este mesmo, não dispensar nem ocultar o artificial em cena.(Eron Fagundes. Leia mais críticas do colunista em Cinemania)