Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/02/2006
A caligrafia cinematográfica do cineasta norte-americano Samuel Fuller atinge um ponto rigoroso e pessoal em O beijo amargo (The naked Kiss; 1964), construÃdo como aqueles dramas impressionistas e existencialistas que o cinema mais elaborado da época, basicamente o europeu, se esmerava em levar para a tela; o existencialismo cinematográfico de então se materializava muito na forma, certos tons raspantes da fotografia, alguma coisa na colocação e no deslocamento do ator, aqui e ali uma inserção intelectual no diálogo, ou curvas que se salientavam na trama. Fuller não foi nunca nenhum Michelangelo Antonioni, o mestre da introspecção cinematográfica de então; mas em O beijo amargo Fuller refina sua edificação de personagens.
É extremamente sensÃvel a maneira como o realizador joga em cena os aspectos contraditórios dos estereótipos sociais. A protagonista é uma ex-prostituta que se dedica a cuidar de crianças deficientes; ao apaixonar-se por um homem e marcar casamento com ele, logo descobre um dia ao visitá-lo sua anormalidade, molestar crianças; ouvindo dele que é isto que os iguala, a ela, que cuida dos pobrezinhos, e a ele, que precisa deles para seu “malâ€, a mulher imediatamente o espanca e mata, acabando presa e complicada.
Fuller dirige com habilidade todos os lugares perigosamente comuns de sua trama. Seu humanismo não é piegas e seu filme deve ser saudado como um dos mais belos que realizou.(Eron Fagundes)